"Há recessos desconhecidos na nossa mente que estão além do limiar da consciência relativamente construída. Não é correto designar esses recessos por subconsciência ou superconsciência. A palavra além é simplesmente usada porque é o termo mais conveniente para indicar o lugar. Mas o certo é que não há na nossa consciência nem além, nem debaixo nem em cima. A mente é um todo indivisível e não pode ser desagregada em pedaços" (D. T. Suzuki - Introdução ao Zen)

"Entrar na floresta sem mover a grama; entrar na água sem provocar nenhuma ondulação" (Zenrin Kushu)

domingo, 15 de novembro de 2015

A Síntese da Filosofia Transcendente




“... é preciso considerar que a concepção dos alquimistas quanto à transubstanciação dos elementos é válida, ao menos no interior dos caldeirões estelares. O problema dos alquimistas, para tirar partido de alguma alegoria, é que dispunham de um fogo fraco e de uma panela pequena.” (Ulisses Capozzoli – As Fronteiras Móveis do Conhecimento – Prêmios Nobel da Scientific American – Vol. I – Pág 07)

“O nosso Universo é apenas um de um infinito número de Universos, todos eles ‘Filhos da Necessidade’ porque, na grande cadeia cósmica de Universos, cada elo encontra-se numa relação de efeito, com referência ao antecessor, e de causa, com referência ao sucessor.” (Helena Blavatsky – A Voz do Silêncio,1889 – Ed. Martin Claret)

“A fim de demonstrar o modo como uma alma procura realizar-se na imagem do mundo ambiente, e para fazer ver a razão por que a cultura realizada é expressão e cópia de uma ideia de existência humana, sirvo-me do exemplo do número, elemento dado no qual se baseia toda a Matemática. Escolhi o número, uma vez que a Matemática, cujas profundezas mais remotas só poucas pessoas conseguem sondar, ocupa um lugar peculiar entre as criações do espírito. Até aos nossos dias, toda e qualquer filosofia deve a sua origem ao contato com uma Matemática correspondente. O número é o símbolo da necessidade causal. Contém, da mesma forma que o conceito de Deus, o último sentido do Universo como natureza. Por isso, pode-se afirmar que a existência dos números é um mistério, e nenhum sentimento religioso de cultura alguma jamais se esquivou a essa impressão.” (A Decadência do Ocidente – Oswald Spengler- Editora Universidade de Brasília)

Big Bang

Desde que Heisenberg definiu as novas fronteiras da pesquisa molecular e do estudo das partículas subatômicas com sua Lei da Incerteza as máximas newtonianas deixaram de expressar de forma única a realidade que nos cerca como observadores dos fenômenos e dos movimentos do Universo. Uma nova hermenêutica e semântica foram necessárias ser desenvolvidas para melhor definir a dimensão dos fenômenos quânticos e da interação da matéria no microcosmo. Como não poderia deixar de ser o estudo do infinitesimal influenciou também a cosmologia e abriu novas janelas para estudar o momento da Criação do Universo, o Big Bang, evento que, todavia ainda encontra-se em andamento, com a expansão contínua do espaço-tempo, nesse exato e preciso momento.

A ideia de que a Vida pulsa em todo o Universo (Panspermia) e se espalha como sementes pela pressão da radiação de estrelas para prosperar em ambientes promissores toma cada vez mais corpo com as últimas descobertas das sondas robóticas em Marte e da observação da existência de água em estado liquido em planetas distantes de outros sistemas, a milhares de anos luz do Sol. Da mesma forma os atuais oceanos terrestres, como se sabe, formaram-se do impacto de astros oriundos do espaço profundo que carregavam em seu corpo o precioso líquido formador da vida e interações eletrolíticas complexas através de descargas atmosféricas geraram a atmosfera terrestre liberando gases e as primeiras sementes e nucleotídeos nos oceanos primevos dando origem à formação da vida no planeta que evoluiu da matéria bruta de origem estelar para a vida, de seres monocelulares a pluricelulares e de estruturas biológicas mais complexas para seres sencientes.

É inquestionável, pelas recentes descobertas do mapeamento do código genético, a afirmação da ligação entre todos os seres que habitam a biosfera de um elo comum.  Os vegetais e animais de todas as espécies possuem uma única origem estratificada no registro genético que faz parte de toda a biodiversidade planetária. Não podemos deixar de notar a homologia nos padrões de cromossomos do camundongo e do homem, por exemplo, a extensa sintenia (ocorrência de genes no mesmo cromossomo ou em cromossomos homólogos) entre as duas espécies. Em tabulação recente todos os autossomos humanos, com exceção do 13, mostraram ter pelo menos dois locos (posição de um gene determinado) que são também sintênicos no camundongo. O braço curto do cromossomo humano número 6 tem pelo menos dez locos que estão no cromossomo 17 do camundongo. Por outro lado, a associação de locos do 1 e do 9 humanos no cromossomo 4 do camundongo sugere homeologia (similaridade de conteúdo gênico) entre os dois primeiros.

DNA e RNA
Como podemos considerar um ser vivo ? A questão tem sido levantada por vários cientistas e sempre suscita discussões. B.O Kuppers procurou responder a questão através das propriedades necessárias para que um sistema seja considerado vivo. Segundo o pesquisador, tal sistema deveria ter: a) metabolismo (conjunto de processos relacionados a nutrição, com a transformação do alimento em energia para o organismo); b) auto-reprodução (capacidade de autoduplicação); e c) mutabilidade (possibilidade de alteração no material genético). O metabolismo subentende uma interação de um sistema aberto de troca controlada entre o meio ambiente e o organismo, de matéria combustível e sua transformação em energia e implica também em uma fronteira entre a forma viva e seu meio. A autorreplicação, por outro lado , implica em um estágio bem estruturado de organização dos componentes do organismo e seus primeiros processos devem ter sido no mínimo imperfeitos, o que provocou as mutações. No momento do surgimento desses três processos, sugere Kuppers, a seleção natural condicionará a sobrevivência das cópias mais aptas e automaticamente desencadeará o processo evolucionário.

L.E. Orgel indica os seguintes requisitos, que segundo ele seriam necessários e suficientes para qualificar um organismo como vivo: a) ele deve ter uma complexidade especificada; e b) deve ser capaz de se reproduzir. Isso exigiria que o organismo fosse um produto da seleção natural e que a informação necessária para especificá-lo fosse contida numa estrutura estável para o seu período de vida reprodutiva.

Já A. Lima de Faria dá ênfase ainda maior aos aspectos estruturais do organismo, definindo a vida como uma canalização atômica que se situa em confronto com o restante menos organizado do Universo. Para ele a vida é inerente à estrutura do Universo, e completa: “Um organismo é apenas um dos espelhos que o Universo usa para se olhar”. Por definição ainda C. Bernard, concentrando-se nos processos metabólicos vitais, de anabolismo (construção) e de catabolismo (destruição) elaborou dois aforismos: “A Vida é a criação” e, paradoxalmente, “A Vida é morte”.

Expansão do Universo


A Simetria Perfeita –

O evento denominado Big Bang, como estabelece o termo, dá a noção de uma explosão desordenada, fruto do aquecimento aleatório e da concentração em algum tempo finito no passado, segundo os cosmólogos, há pelo menos 13, 9 bilhões de anos, quando toda a matéria existente no Universo estava reunida em um átomo primordial e expandiu-se em determinado momento gerando todos os fenômenos e partículas ora existentes. O evento de expansão ocasionou um esfriamento conforme a matéria distanciou-se do seu ponto zero. É isto que ensinam os estudiosos.

Na relatividade geral de Einstein tempo e espaço não existem independentemente do Universo ou um do outro. São definidos como mensurações dentro do Universo, como o número de vibrações em um cristal de quartzo de um relógio ou o comprimento de uma régua. É perfeitamente concebível que o tempo, definido desse modo, dentro do Universo, tenha um valor mínimo ou valor máximo – em outras palavras, um começo ou um fim. Não faz sentido perguntar, portanto, o que acontece antes do começo ou depois do fim por que tais tempos não estariam definidos  no horizonte de eventos da Criação.

Universo Expandido

A maioria dos físicos tinham uma aversão instintiva à ideia de o Tempo ter um início e um fim. Portanto observaram que o modelo matemático poderia não fornecer uma boa descrição do espaço-tempo perto de uma singularidade como o evento primordial do Big Bang. A razão é que a relatividade geral, que descreve a força da gravidade, é uma teoria clássica, e não incorporava ainda a Lei da Incerteza da Teoria Quântica, que governa todas as outras forças conhecidas. Essa inconsistência não importa para a maior parte do Universo, durante a maior parte do tempo, porque a escala na qual o espaço-tempo é curvo é muito grande, e aquela na qual os efeitos quânticos são importantes é muito pequena. Mas, na vizinhança de uma singularidade, as duas escalas seriam comparáveis, e efeitos quânticos gravitacionais seriam relevantes. Os teoremas  da singularidade de Penrose e os de Stephen Hawking realmente estabeleceram que a região espaço-tempo clássica é delimitada no passado, e possivelmente no futuro, por regiões onde a gravidade quântica é importante. Para compreendermos a origem e o destino do Universo é necessária uma teoria quântica da gravidade afirmam esses estudiosos.

Campos de Energia das Partículas
     
Hoje sabemos que o conceito de partículas e ondas está diretamente interligado e a matéria como a conhecemos é produto dessa vibração das subpartículas e da consequente geração de campos de energia ondulatória cuja origem encontra-se no evento primordial. As regras de funcionamento dessas radiações e interações entre as partículas/ondas foram definidas nos primeiros instantes da expansão da singularidade e evoluíram a partir dele de forma significativa dando a feição do nosso Universo e sua forma quadridimensional que compõe a interação espaço-tempo. Uma rede intrinsecamente dinâmica que se move, cresce e se transforma incessantemente e de forma ordenada.

Nenhuma nova energia foi gerada após o Big Bang, ela só é convertida a partir do evento primordial, de um estado para outro, dentro de um sistema fechado, com início e fim prováveis. Podemos estabelecer um padrão de formação do Universo que longe de parecer aleatório e desordenado é na verdade um sistema lógico de informação em rede e tempo real que propícia a geração dos elementos em escala do micro ao macro, a partir do vislumbre de campos de energia no plano infinitesimal das subpartículas e da própria matéria até os agrupamentos resfriados das galáxias, convergindo para os sistemas estelares e a formação dos planetas em órbitas variáveis em torno destas fontes conversoras de energia e matéria.

Este conjunto de elementos propícios deu origem ao plano planetário e por sua vez à criação dos fatores que deram origem a vida. Muito mais que uma sequencia de acasos felizes, o que seria como ganhar muitas vezes seguidas numa loteria de números universal, todos os eventos seguem um ordenamento no sentido de Vontade de organização.  Podemos então perceber um ordenamento que se inicia da singularidade do Big Bang até a formação de grandes caldeirões estelares que forjaram os elementos para a formação de massas resfriadas planetárias e alguma, em especial a nossa, situada em algum lugar insignificante da ponta da Via Láctea, na posição “Cachinhos de Ouro” (nem tão quente e nem tão fria) da órbita em relação ao Sol, onde na sua massa planetária, num meio líquido aquoso proveniente do espaço profundo, seres unicelulares puderam ser gerados através de processos eletroquímicos para formar os primeiros organismos vivos que deram origem a todos os seres existentes do planeta e uma atmosfera generosa que garante a sua sobrevivência e por consequência a sintetização pelos organismos da energia primordial para garantia de nutrição e reprodução da vida de forma exuberante, em quase negação e no sentido inverso da entropia mecânica e da segunda Lei da Termodinâmica.

O ordenamento do Universo pode ser verificado em todos os fenômenos estelares. Como afirmam os premiados cientistas Hans A. Bethe e Gerald Brown, ambos os pesquisadores detentores do prêmio Nobel de Física sobre suas descobertas de como as supernovas explodem. No Universo quando o combustível nuclear das grandes estrelas se esgota, seu núcleo colapsa e implode em milissegundos. O rebote subsequente do núcleo gera uma onda de choque tão intensa que ejeta a maior parte da massa estelar em forma de gases. Neste caso uma implosão é transformada em explosão. Quando a explosão termina, a maior parte da massa da estrela já foi espalhada pelo espaço, e tudo o que resta no centro são suas cinzas densas e escuras. Em alguns casos elas podem até desaparecer em um buraco negro. Segundo as palavras dos dois estudiosos sobre o fenômeno: “Pode parecer que a implosão estelar é um processo caótico, mas na verdade é bem organizado. Toda a evolução da estrela ocorre em direção a condições mais ordenadas, ou de menor entropia.”

Segundo  estudiosos do assunto, a formação e existência de elementos mais pesados do que o ferro  no sistema solar, por exemplo, requerem uma entrada líquida de energia. Esses elementos pesados não parecem surgir dos fornos estelares; eles provavelmente foram sintetizados da explosão de uma supernova. Devido a considerável abundância desses elementos pesados em nosso sistema intui-se que o Sol é uma estrela de segunda geração, proveniente da condensação dos restos de matéria originados depois da explosão de uma estrela supernova. O nosso sistema solar, e com ele a Terra possivelmente formou-se há cerca de 4,5 bilhões de anos a partir deste evento cósmico de proporções inimagináveis.

Estrutura da Partícula
de um Elemento Complexo 

No processo de evolução biológica alguns pretendem tratarem-se as mutações genéticas de eventos frutos do acaso, processos aleatórios, sem ordenamento nem objetivo. Embora estes cientistas reconheçam a existência de restrições moleculares a determinadas alterações. Mas sabemos que as mutações genéticas podem ser geradas, entre outras coisas, pela radiação cósmica, incontáveis partículas oriundas do espaço profundo, que os corpos dos seres vivos estão expostos diariamente, com sua potência reduzida e filtrada pela presença da camada de proteção gerada pelo campo magnético terrestre e que interpenetram os corpos de todos os seres da biosfera. É interessante imaginar que nesta luta pela sobrevivência às condições planetárias só os mais aptos conseguem manter sua progênie. E também sabemos que existe uma propensão para a cada vez maior especialização de cada organismo a partir do seu meio, o que torna-o mais sensível às mudanças do seu habitat e passível de extinção.

Conforme já mencionado, o nosso planeta possivelmente formou-se a 4,5 milhões de anos, e as rochas onde foram encontrados os primeiros fósseis microscópicos foram formadas há 3,2-3,4 bilhões de anos. O que chama a atenção dos estudiosos é a morfologia destes microfósseis já se assemelharem bastante à estrutura celular atual. Formas ainda mais simples de vida devem ter existido antes daquela época, e a maioria da evolução química ocorreu tendo tais formas como protagonistas. Tudo isto indica que a vida surgiu muito rapidamente na história da Terra, como se espera que uma reação química ocorra, desde que se forneçam as condições apropriadas do meio dizem os cientistas.

Então podemos conceber que foram as forças do Universo as responsáveis pelo mundo que habitamos e pela nossa própria existência e a dos outros seres vivos. Lembrando que a gravidade permitiu a vida sobre a superfície planetária e o movimento de nosso planeta ao redor do Sol em órbita concêntrica perfeita, o eletromagnetismo protegeu os seres vivos dos raios cósmicos e forneceu uma blindagem ao planeta contra as radiações solares e foram as primitivas descargas atmosféricas de alta intensidade que geraram a vida no caldo primário, a força nuclear fraca e a força nuclear forte deram a consistência necessária para a matéria densa e a matéria sutil interagirem e o resultado da interação destas forças promoveu a evolução das células no planeta dentro de um padrão organizado que propiciou a dinâmica da Criação.

Do Principio da Vontade Cósmica –

O processo da Criação foi constante e podemos deduzir  que a vida como um todo propõe um ordenamento maior da matéria. Mas podemos falar de uma Vontade Cósmica? Schopenhauer em sua obra: “Sobre a Vontade da Natureza” analisando a sincronicidade de suas teorias sobre a Vontade com as de um sábio taoista chinês do século XII, Tchu Si, ou Tchu Fu Tze, sistematizador da filosofia chinesa, que discorreu sobre o conceito chinês de Tien, o Céu, como abstração do que pode ser interpretado pela filosofia milenar daquele povo:

“Pode parecer que Tien designe ‘o maior entre os grandes’ ou ‘acima de tudo o que é grande no mundo’: no entanto, a indeterminação de sua significação no uso linguístico é incomparavelmente maior do que a expressão céu nas línguas europeias (...)”
“Tchu Fu Si diz: ‘que no céu haja uma pessoa (isto é, um ente sábio) que julga e decide sobre os crimes é algo que não deve ser dito de modo algum; mas, por outro lado, tampouco se pode afirmar que não há nada que exerça um controle supremo sobre estas coisas.”
O mesmo sábio ao ser questionado acerca do “Coração Celeste”, se ele seria cognoscível ou não, ao que respondeu: “Não se pode dizer que o espírito da natureza seja destituído de inteligência, mas ele não tem nenhuma semelhança com o pensar humano (...) “
“Segundo uma de suas autoridades, tien é denominado regente ou soberano (tshu) devido ao conceito do poder supremo, e uma outra (autoridade) expressa-se a respeito do seguinte modo: ‘se o céu (tien) não tivesse um espírito dotado de intenção, ocorreria que da vaca nascesse um cavalo e que o pessegueiro carregasse flores de pera. – Por outro lado é dito que o espírito celeste é dedutível daquilo que é a espécie humana! ”(Tradutor inglês utilizou-se do ponto de exclamação para expressar seu espanto – Nota do Autor)”

Sem cair na armadilha da simplificação panteísta podemos imaginar uma complexidade crescente do ordenamento do Universo em uma dimensão muito acima de nossa capacidade atual de entendimento e longe do cabedal de conhecimentos que nossa física propõe explicar. Não pretendo aqui afirmar da existência de uma metafísica, ou do sobrenatural além do conhecimento humano, mas informar sobre os fenômenos naturais que compõem todo o espectro da Criação, pois todas as manifestações do ordenamento cósmico são naturais, mas muitas estão além do nosso atual entendimento.

Os filósofos da atualidade sabem que existe uma linha evolucionária comum que vai da matéria cósmica forjada nas estrelas à vida e da vida para a complexidade da volição da mente como unidade em cada estrutura celular senciente. Alguns padrões comuns se repetem e garantem um aumento de autoconsciência em diferentes níveis e domínios da evolução da matéria, um espelhamento, em cada individuo, numa relação radial e em escala ascendente. A Vontade Primordial, em substituição ao conceito de espírito, é acionada, em um sistema de distribuição ramificado e formador de organismos complexos e estanques que são a biodiversidade planetária, o que intensifica as probabilidades de sucesso da sua ação organizadora em direção a um objetivo conhecido pelo Todo, mas desconhecido para cada individuo que compõem a rede. Um processo aparentemente infinito para o individuo que carrega em seu interior como herança, o fio da existência, a ilusão de uma ligação particular de imortalidade e que está sempre presente como potência em todo o estágio finito de cada organismo, mas que se torna mais disponível a cada salto evolucionário em gerações sucessivas.

Podemos acompanhar fenômeno semelhante na evolução tecnológica que na verdade é uma expressão da vontade humana em complexidade crescente. O homem cria a sua semelhança seus engenhos que na verdade são extensões dele mesmo e inferências da cultura e do comportamento humano. Alguns cientistas acreditam que as mudanças tecnológicas afetam o genoma humano e agregam novas potencialidades para cada nova geração.

Mas o individuo não chega ao mundo desprovido de uma bagagem. Seu potencial em relação ao mundo exterior já vem programado conforme a época em que ele passa a fazer parte do seu meio, não como agente passivo, mas sim como agente transformador de sua geração. O inconsciente coletivo é um processo dinâmico e induz uma evolução que se traduz no aumento da complexidade cultural e a uma visão mais universal da sociedade onde está inserido.

A filosofia, entretanto não possui a mesma dinâmica para todas as classes sociais. As massas vivem e acreditam ainda num mundo comandado pelas teorias filosóficas da escolástica tomista, das crenças judaico-cristãs sincretizadas com suas culturas originais e regionais. Acreditam no antropocentrismo, em imagens milagrosas personalizadas e no mágico. As crenças evangélicas, seitas que absorvem multidões de indivíduos comuns em escala crescente, são na verdade cultos aos demônios e nada tem a ver com as escrituras do cristianismo ortodoxo. Misturam sua fé com crenças de prosperidade material e deturpam os rituais de origem africana que sincretizam para atrair indivíduos incultos que compõem as massas mais pobres do Ocidente, numa falsa remissão de males provocados pelos anseios individuais criados por uma sociedade cada vez mais competitiva e excludente do capitalismo selvagem. O homem comum encontra alento no exorcismo e no transe auto infligido ou induzido pelo pastor. São práticas xamânicas milenares empregadas para seduzir os ingênuos e controlar os inocentes em troca de dízimos e oferendas financeiras.

Esta aparente contradição, o descompasso entre as teorias filosóficas pós-escolástica e o que acredita o povo comum, possui uma dinâmica própria. Caso tentássemos levar conhecimentos sobre Nietzsche, Hegel, Kant, Schopenhauer, Darwin e outros filósofos para esclarecimento das multidões, elas teriam apenas inquietude e aversão. E ainda pior seria tentar descortinar para o homem comum conhecimentos sobre as recentes descobertas da física quântica, o que, com certeza, colocaria em cheque tudo aquilo que ele acredita ser real.

Por outro lado ao afirmar-se a ideia de uma vida após a vida. Um paraíso além da morte, o homem comum deixa de perceber que seu destino final e o da humanidade está diretamente ligado à Terra. É desse planeta onde ele vive e extrai sua subsistência e será de onde seus descendentes em futuras gerações irão também viver. O culto a Eros e Tanátos, gerador dos conhecidos conflitos freudianos sobre fertilidade, procriação e morte, no entanto persistem velados no inconsciente da fé na visão interior do homem comum em seu cotidiano.

A Revolução da Filosofia Transcendente pode criar uma nova forma de levar o entendimento do Universo para este homem comum. Velhos paradigmas devem ser combatidos e abandonados para que o ser humano possa dar um novo salto evolutivo em direção da autossuficiência e da sustentabilidade planetária. Enquanto as multidões imaginarem uma falsa recompensa no porvir "post morten" nunca teremos uma visão objetiva do meio ambiente nem uma ação que permita uma revolução interior do homem comum em direção à sustentabilidade como filosofia de massa.

Ken Wilber em sua obra: “Uma Breve História do Universo” ao ser questionado sobre as grandes tradições espirituais da humanidade estabelece dois campos distintos de crenças. O caminho ascendente, puramente transcendental e do outro mundo, que é geralmente puritano, ascético, iogue, e tem uma tendência para desvalorizar ou até mesmo negar o corpo, os sentidos, a sexualidade, a Terra, a carne. Esse caminho busca a salvação num reino que não pertence a este mundo e considera a manifestação da Samsara como algo ilusório e do mal e assim anseia a sair totalmente da roda. Para os que anseiam a ascensão, qualquer tipo de descida pode ser visto como ilusório ou até mesmo do mal. O caminho da ascensão glorifica o Todo, não as Partes, o Vazio, não a Forma, o Céu, não a Terra.

O caminho descendente segue, portanto em direção contrária. É o caminho deste mundo, e glorifica as Partes, não o Todo. Ele exalta a Terra, o corpo, os sentidos, e a sexualidade. Esse caminho identifica até o Espírito com o corpo sensório, com Gaia, com a manifestação, e percebe no nascer do Sol e da Lua todo o Espírito que uma pessoa pode almejar. É um caminho puramente imanente e despreza tudo o que seja transcendental. Na verdade, para todos os adeptos do caminho descendente, qualquer forma de ascensão é vista como algo do mal.

O confronto entre estas duas correntes do Espírito nos últimos dois mil anos sempre foi brutal e sangrento. Assim os seus crentes na verdade nunca entendem o que pretende a Suprema Vontade Universal, o Tao ou qualquer outro nome que defina o caminho. Quando alguma facção acredita entender o caminho correm rios de sangue. No Ocidente, afirma Wilber, desde os tempos de Agostinho a Copérnico, temos um ideal puramente ascendente, do mundo do além. A salvação final e a libertação da alma não poderiam ser encontradas neste corpo, na Terra, nesta vida. Isto quer dizer que a vida do individuo pode ser perfeita, mas tudo pode se tornar mais interessante ainda quando ele morrer, quando for para o outro mundo.

Então com o advento da modernidade e da pós-modernidade ocorreu uma profunda inversão. Os ascendentes sofreram um ocaso enquanto os descendentes tomaram a dianteira. Esta época passou a ser governada pelos descendentes, por uma cosmovisão descendente, ou melhor, “uniforme”, isto é, a ideia que o mundo sensório, empírico e material é o único que existe. Não existe nenhum potencial superior ou mais profundo disponível para o “ser”. Nenhum estágio superior de consciência, por exemplo. Nesta concepção existe apenas o que podemos ver com nossos sentidos ou pegar com nossas mãos. É um mundo restrito e privado de qualquer tipo de energia ascendente, totalmente vazio de qualquer transcendência. Para os descendentes qualquer tipo de ascensão ou transcendência é visto como uma crendice mal encaminhada, na melhor das hipóteses, ou como o demônio na pior.

Logo, no mundo descendente em que vivemos hoje, dentro desta rede terrena de informações instantâneas, e inseridos em uma realidade simplória, de superfícies monótonas e enfadonhas pobres de conteúdo, onde impera a tecnologia de ponta e o obsoletismo forçado, seja com  Capitalismo ou Marxismo, industrialismo consumista ou ecologia radical, em todos os casos, a divindade subliminar imposta pelo marketing globalizante, pode ser registrada com nossos sentidos, emulada com falsos sentimentos altruístas e mordida com nossos dentes até o esgotamento final de sua forma de deus mercado.

Ao recortar o Universo em suas partes preferidas, ascendentes e descendentes estão apenas contribuindo para a brutalidade desta guerra na tentativa insana de converterem e coagirem cada grupo oposto, compartilhando suas doenças particulares e promovendo o sectarismo.

As tradições não duais do Oriente e Ocidente podem ser o Caminho para resgatar o equilíbrio perdido e integrar o Transcendente e o Imanente, o Todo e as Partes, o Vazio e a Forma, nirvana e samsara, o Céu e a Terra, o Ascendente e o Descendente numa nova compreensão do Universo. É na união de ambas as correntes que reside a harmonia, e não no confronto em uma guerra brutal. Somente quando Ascensão e Descensão estão interligadas é que podem ser salvos ambos os caminhos. E aqueles cientistas, religiosos, filósofos que não contribuem para esta união e confundem em suas respectivas áreas de atuação os meios da Criação, com seus fins e de como a Vida surgiu até a evolução da senciência no planeta, destroem a única Terra que têm, como também se privam do único Céu que podem abraçar.