"Há recessos desconhecidos na nossa mente que estão além do limiar da consciência relativamente construída. Não é correto designar esses recessos por subconsciência ou superconsciência. A palavra além é simplesmente usada porque é o termo mais conveniente para indicar o lugar. Mas o certo é que não há na nossa consciência nem além, nem debaixo nem em cima. A mente é um todo indivisível e não pode ser desagregada em pedaços" (D. T. Suzuki - Introdução ao Zen)

"Entrar na floresta sem mover a grama; entrar na água sem provocar nenhuma ondulação" (Zenrin Kushu)

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Crisálida da Alma




 


Eu me pertenço

esta sensação de pertencimento

me consola e afaga

Pratiquei a mais importante 

boda da existência

Entre as duas facetas

de mim mesmo

entrei na velhice com entendimento

da finitude do tempo que

me resta

Cada minuto é como um licor

que esquenta minha alma

Vivo agora a leveza

de cada movimento

momento exato do agora

que saboreio como fruta madura

seu suco derrama o doce mel 

da Vida...


Dedicado ao mestre Thich Nhat Hanh

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

A Cultura - O Feminino como Agente e Essência Formadora do Processo Cultural. (A Função do Feminino)






Os pelasgos, primitivos povos que habitavam a Grécia, em sua cultura mantiveram entre seus deuses, uma evidente postura religiosa matriarcal baseada no mito da Grande Mãe que se generalizaria no mundo mediterrâneo Oriental. Criaram o seguinte mito sobre a Criação: 

No princípio Eurínome, a deusa de todas as coisas, surgiu nua do Caos, mas não encontrou nada sólido onde botar os pés, e por causa disto, separou o mar do firmamento e dançou solitária sobre suas ondas na direção sul. O vento Norte, chamado Boreas, colocado em movimento atrás dela, sugeriu-lhe que seria um bom instrumento para iniciar uma obra criadora. Então ela voltou-se e apoderou-se dele, friccionou-o entre as mãos até dar origem a enorme serpente Ofión. A deusa, que tinha frio, dançou para esquentar-se cada vez mais rapidamente, despertando o desejo carnal de Ofión, que sem pensar duas vezes se enroscou no corpo de Eurínome, e possuiu-a com luxurioso deleite. Assim foi que Eurínome acabou grávida. Depois ela se transformou em pomba, pousando sobre as ondas. No seu devido tempo concebeu o Ovo Universal. Ao seu pedido Ofión enroscou-se sete vezes ao redor do Ovo, até que assim incubado dividiu-se em dois. Dele saíram todos os seres e elementos que compõem o Kosmos: o Sol, a Lua, as Estrelas, a Terra com suas montanhas, rios, mares e lagos, suas árvores, ervas e criaturas viventes. Eurínome e Ofión fixaram sua residência no monte Olimpo. Quando Ofión irritou sua companheira, arrogando-se o título de criador do Universo, esta deu-lhe tamanho pontapé que arrancou-lhe os dentes e lançou-lhe nas escuras cavernas situadas embaixo da terra. Em seguida a deusa criou sete potências planetárias e colocou uma Titânide e um Titã em cada uma: Thia e Hiperião para o Sol; Febe e Atlante para a Lua; Dione e Crio para Marte; Metis e Geo para Mercúrio; Têmis e Eurimedonte para Júpiter; Tetis e Oceano para Vênus; Rea e Cronos para Saturno; todos guardiões da sucessão do tempo. Entretanto nesta harmoniosa criação faltava o homem, e então apareceu Pelasgo, que brotou dos dentes de Ofión enterrados nos abismos da Arcádia, percursor de outros, que aclamaram-lhe como chefe. Foi responsável pelo aprendizado de seu povo, pois dele aprenderam a construir choças, a alimentar-se de bolotas das árvores e a coser túnicas de pele de porco. (Teogonia - Hesíodo) 

Deuses e homens se achavam submetidos a seus opostos sexuais femininos e todos rendiam culto a Grande Deusa. A mulher constituía o sexo dominante e o homem era o dominado. Semelhante crença, sua concepção mitológica foi imaginada por uma sociedade matriarcal onde não se atribuía o papel fertilizador ao varão, mas sim ao vento, a ingestão de sementes e vagens pela futura mãe, ou a deglutição de algum inseto de maneira ritual. Neste caso Eurínome atua como Criadora do Universo, a semelhança de Yavé, deus de inspiração masculina. As serpentes, símbolos de Ofión, o princípio fertilizador pela incubação do Ovo cósmico, o espírito vital divino, eram consideradas como sementes de todas as coisas, no processo de Criação, assim liberadas dos elos da matéria inerte pelo poder divino. Simbolizam a imortalidade do espírito. 







A Cultura - 

O belo e a beleza,o lúdico, o mundano e o sacro compoem o sistema de crenças e idealizações do ser humano denominado cultura. O Individuo independente da condição social possui a tendencia em criar cultura, seja ela que forma ou conteúdo tiver, e aonde for que tenha surgido seu núcleo, sem ter que respeitar qualquer julgamento de valor. 

A CULTURA está diretamente associada a comunicação do homem com seu meio. Define como a humanidade desenvolve este contato com a natureza a partir da sua forma particular de organização ideológica num processo dinâmico nem sempre ascendente. Quando as estruturas culturais chegam ao seu fim, novas estruturas e sistemas de crenças são assimilados para dar substância ao vazio deixado, logo ocupado, que captura a essência das manifestações, e absorve parte daquilo que está para ser extinto como ressignificação de valores e conteúdos que estabelecem novas hierarquias sociais e crenças renovadas. A cultura humana não aceita o vácuo. Em seu inconsciente coletivo e orgânico a cultura abriga a manifestação onírica social. 

Desde tempos imemoriais o homo sapiens em sua luta pela sobrevivência, estabeleceu uma definição de gênero entre as funções de caça e coleta. Isto ocorreu de forma natural, mas nem sempre constante, pois a fome quando provinha não permitia rigidez estrutural de hábitos ou tradições. Convencionou-se que o homem era o caçador e a mulher a coletora de raízes e plantas para alimento e cura. Naquela época o culto à terra e o transe xamanico era um privilegio do feminino. Era a deusa que prestigiava a boa caça e a colheita. Elas detinham os conhecimentos das beberagens que levavam à embriaguez e ao delírio em contato direto com os seres que animavam as coisas naturais e os espíritos dos animais totêmicos, de cada clã, cuja linhagem quase sempre era definida de forma matrilinear. Era a mulher que no período de criação do jovem caçador passava as crenças, educava através dos mitos contados para as crianças sobre a estrutura do grupo social, a cosmogonia da comunidade em particular, seus heróis, e com estes mitos reintegrava a comunidade a um caminho coerente pela sobrevivencia, onde o papel de cada integrante era definido. Era dela o poder da geração,um verdadeiros mistério para os homens dos clãs. Elas eram as detentoras das sementes que faziam da fertilidade sua arma primordial de poder. E deste poder de procriação emanava seu poder de estabelecer interditos para a comunidade, que para sobreviver tem necessidade de um crescimento populacional , limitado pelas práticas do infanticídio, para garantir a expansão das áreas de caça e de coleta e o alimento para todos. A mulher com sua influencia fundamental era como sempre foi o fator aglutinador da comunidade e garantia de sua continuidade. Era a transmissora natural da crença no Totem da Tribo, a sumo sacerdotisa que comandava os rituais, estabelecia os sacrifícios, incorporava as forças ctônicas e, mantinha a herança cultural do bando familiar ou tribal. Certamente a sacralidade feminina e maternal não era ignorada no paleolítico. 

Marija Gimbutas denominou de "Europa Antiga"este período, pelo menos desde o sétimo milênio antes da Era Cristã. A Europa Antiga refere-se ao período anterior a dominação dos invasores indo-arianos que chegaram à Europa através das estepes eurasianas entre 4.500 e 2.500 a.C. A estudiosa defende de forma convincente a tese de uma religião e uma mitologia ginocentrica na Europa Antiga, calcada numa imagem divina feminina, até sua substituição gradativa pelas estruturas patriarcais dos invasores guerreiros (Prehistoric Religions. Old Europe, II, p.506ss). Segundo esta teoria, a religião européia antiga, foi preservada, em algumas partes da Europa continental até época tão recente como 2000 a.C., e nas ilhas mais isoladas do Egeu e do Mediterrâneo, particularmente em Creta, até pelo menos 1500 a.C. Gimbutas afirma que, a partir da erosão nas antigas crenças europeias e suas substituição pelos deuses masculinos dos dominadores, as velhas tradições"formaram um substrato poderoso, que afetou profundamente a vida religiosa das culturas europeias surgidas na Idade do Bronze"com influencia marcante até nossos dias. Desde os cultos de mistérios consagrados a Mãe Terra, Gaia; e as mitologias agrárias de Deméter e seu culto em Elêusis, até as tradições das rainhas irlandesas centradas na terra, como Maeve, e depois a consagração da Virgem Maria e seu culto cristão. Os dados arqueológicos respaldam a teoria de uma crença universal na Europa de um culto a uma divindade feminina que adquiriu traços particulares onde se estabeleceu. Ela representava em sua essência "o assombro e o mistério que cercam a destruição e regeneração cíclicas da vida."

Enquanto as cavernas eram locais de culto restrito aos homens, as moradias são recinto das mulheres, a matrilocalidade faz que as relações familiares girem em torno da mulher, dona da casa.


 
Por volta de 4500-3500 a. C., e ainda mais antigamente, surge uma grande quantidade de estatuetas femininas entre os fragmentos de cerâmica encontrados. As mais conhecidas imagens são as deusas entronizadas do Neolítico, figuras grávidas achadas em Çatal Hüyük e Hacilar, na Anatólia, as primeiras  cidades conhecidas. Elas relacionam os poderes de fecundação do feminino com os da terra, de dar e nutrir a vida. Uma associação direta entre a fertilidade da mulher com uma ideia de maternidade da natureza. Hoje não podemos garantir qual significado teriam nem em que ritos estavam associados com certeza, mas podemos inferir seu sentido a partir da função que ainda ocupam. Estas imagens prestam com certeza auxilio mágico-psicológico, no parto e na concepção, estavam fixadas em oratórios para receberem os devotos, nos lares para proteção contra ameaças físicas e espirituais, como fonte de meditação, ornamento, acompanham os lavradores no plantio, protegem as colheitas e as criações. São guardiãs das crianças. Vigiam o navegante no mar e o mercador na estrada e por fim garantem uma boa passagem para o reino dos mortos. Entre as descobertas mais claramente mitológicas de deusas arcaicas encontra-se a da "Dama Branca", ou "Deusa da Morte", ancestral das deusas da Índia e de outras culturas relacionadas ao ciclo de morte e vida, como psicopompa que transporta e regenera as almas do mundo dos mortos, e que são representados pelos ciclos naturais da Lua, pela estrela Vênus e outras imagens com que as deusas costumam ser associadas. Ela é representada como uma mulher nua, deitada em posição rígida, com as pernas unidas e os braços estendidos junto às laterais do corpo, como que em posição de ser sepultada, mas com uma região pubiana triangular claramente definida, que significa a vida renascida que seguirá a morte. A Deusa da Morte pode ser representada na forma de Coruja, como urna funerária, com atributos femininos como seios e uma vulva, como foi encontrada em Lemnos datada de 3000 a.C. Os templos e túmulos espalhados por toda a Europa, acredita Gimbutas, representam a mãe terra grávida ou a Deusa da Morte. A penetração destas crenças no continente atravessaram o Paleolítico Superior até uma fase avançada do Neolítico. 




Com o advento da Revolução Agrícola aos poucos tudo mudou. Durante milênios a terra mãe dava a luz sozinha, como lembram os mitos de partenogênese de deusas solitárias. O mais provável é que tenham sido as mulheres as responsáveis por esta revolução da humanidade em direção ao plantio, e consequentemente ao sedentarismo. Como foram as mulheres que desempenharam um papel decisivo na domesticação das plantas, elas se tornaram as detentoras das tecnologias e dos campos férteis, o que lhes realçou a condição social e estabeleceu novas instituições, como a matrilocação, em que o marido orbita a influência da esposa, que garante parte da subsistência do caçador e sua prole. A fertilidade da terra é solidária com a fecundidade feminina. Consequentemente as mulheres tornam-se responsáveis pela abundância das colheitas em suas comunidades agrícolas que iriam evoluir lentamente para as cidades estado alguns milhares de anos depois. É delas também a criação da cerâmica e da tecelagem ainda no Neolítico. São elas que conhecem o segredo da Criação. Trata-se de um mistério religioso, porque governa a origem da vida, a alimentação e a morte. Nascido da Terra, o homem ao morrer retorna a sua mãe. Na figura das beldades do grande panteão da Antiguidade, as deusas semeadoras proliferaram, e exigiram seus sacrifícios sangrentos para granjear melhores colheitas e alimentar uma crescente população decorrente da explosão demográfica provocada pelo alimento farto. Não foram poucas as virgens e mancebos imolados para que a mãe terra proporcionasse bons frutos. 

O corpo é o começo e o fim de tudo o que acontece com uma cultura. A expressão da dança, do ritual primevo que desencadeia o êxtase do transe na Sumo Sacerdotisa, aquela que decreta pela inspiração da deusa quem deve ser imolado, quem deve ser punido por desobedecer algum interdito sagrado ou manter relação tabu com alguma pessoa do próprio clã, uma prévia da concepção do ato incestuoso, que prejudica o vigor da comunidade. As penas são graves, como são considerados graves os crimes, pelo ato pecaminoso do não cumprimento dos tabus e interditos sagrados. A Sumo Sacerdotista era a voz da deusa. Devia ser obedecida. A figura feminina divinizada sempre foi cultuada em todo espaço geográfico onde a humanidade habitou nestes últimos 30000 mil anos. Ecos deste passado longínquo estão registrados nas artes cênicas gregas que recorriam aos antigos mitemas associados à crença dos deuses.

Na Ilíada, como na Odisseia, a respectiva trama gira em torno do poder feminino tanto no plano divino como no mundo dos mortais, Poder que as vezes se traduz doce e hospitaleiro ou então terrivelmente mortal. Nas tragédias e comédias do período Clássico, oriundas da tradição oral, os personagens femininos são fortes e marcantes destoando da condição de opressão vigente para a mulher na época. O que parece demonstrar uma contradição profunda na sociedade de então entre a forma da lei e o comportamento individual, nem sempre condizente com os padrões de comportamento da época. Havia uma resistência.  

O culto a Dioniso, deus trácio primordial cantada na Tragédia "As Bacantes" de Eurípedes pode dar uma ideia simbólica de como o poder do transe feminino era temido, quando em extase, na prática do culto sagrado. Lembra o tema as estórias sobre as bruxas medievais e seus sabás. Penteu, o rei que havia proibido o culto ao deus Dioniso tentou aprisionar o deus com correntes mas foi ludibriado pelo ser divino. Recebe um mensageiro que informa sobre os milagres promovidos pelo deus que colocou em transe as mulheres da cidade estado: 

A Bacanal do Citerião - Um pastor, assustado, do alto do Citerião descreve o espetáculo inaudito que acaba de presenciar para o rei Penteu. As bacantes estavam adormecidas sob os carvalhos em confusão promiscua. Aos poucos os mugidos dos bois as despertam e o sol levante chama-as a celebração de seus ritos. O deus as insufla e as faz estremecer desde os seios. Erguem-se em sobressalto, reajustam as peles de gamo que cobrem seus corpos, desenroscam as serpentes que as cingiam e atam-nas nos flancos como se fossem cintos. Algumas amamentam cabritos e lobinhos; outras com suas tochas apagadas ferem o musgo e os rochedos, de onde jorram regatos de leite e borbotões de vinho. Os tirsos destilam gotas de mel. Formam todas a ronda; e a montanha, despertada por suas danças barulhentas, exulta com elas. Os pastores tentam resgatar as matronas da família real mas são descobertos e as mulheres ululando fazem com que fujam aterrorizados. O rebanho que ficou para trás logo é atacado por elas. Estrangulam e despedaçam os bois num frenesi célere, hecatombe terrível de membros sanguinolentos pendentes das árvores. jovens virgens agarram touros adultos e arrancam, esfolam suas peles com ar triunfante. Logo se abatem sobre as aldeias disseminadas na planície. Atacam como hárpias. Arrebatam as crianças, as flechas atiradas contra elas tombam sem ação. Só de arremessarem seus tirsos, cobriam os inimigos de feridas. Os fardos do butim, armas , discos, vasos e trípodes ficam suspensos no ar acima de suas cabeças e seus ombros sem nada que os atem. Finalmente retornam as Bacantes para a floresta, saciadas e ébrias; lavam os braços nas fontes; e as serpentes que as cingiam lambem as gotas de sangue que lhes corre pela face. " Nada se iguala a esta descrição deste quadro glorioso e sanguinolento que atravessou os tempos. 

Dioniso e seu culto representa a força avassaladora da natureza. Seu poder se confunde com as plantas e animais numa comunhão sagrada de êxtase e transe. O vinho corre, sem dúvida, na orgia; mas o leite e a água nele misturados também inebria as discípulas. O ritual omofágico marca o culto ao deus. Penteu, que travestiu-se para poder participar dos mistérios foi descoberto e confundido com um porco foi dilacerado pelas Mênades chefiadas pela própria mãe, por artificio de Dioniso, como o foi também Orfeu. Este mitema recorrente discorre sobre a disputa entre os cultos agrários de vocação feminina, com raízes nos primórdios dos tempos, e os novos cultos de reis sacerdotes e pontífices que governavam as cidades estado pelo poder opressor masculino. São os eflúvios da natureza que alimentam estas mulheres e incita ao transe místico. De forma simbólica remete as lutas cruentas entre as crenças agrárias de origem pré-histórica e uma pseudo civilização emergente urbana que buscava os deuses oficiais de seus dominadores.




Pesquisadores determinaram que dois terços das impressões de selos hieroglíficos da Anatólia pertenciam a uma administradora chamada Matiya. O artefato data de 1225 a.C., ou seja, período definido como o fim da Idade do Bronze. Espera-se que as novas descobertas esclareçam o papel das mulheres no governo estatal no Império Hitita.

Diz-se da mãe de Alexandre, ter o conquistador herdado dela seu lado mais sombrio e violento. Olímpias era uma princesa do Épiro, região onde hoje está localizada a Albânia. Nessas regiões montanhosas celebravam-se as festas em honra a Dioniso e as mulheres do Épiro, assim como as da Trácia, eram célebres pelas selvagerias de seus êxtases religiosos. Olímpias era particularmente receptiva a tudo isto. Adorava as celebrações, magias e esconjuros, durante as quais dançava com serpentes cingidas, sobre a cabeça, ou enroladas ao pescoço. Sem este carácter apaixonado, herdado da mãe, Alexandre nunca teria sido o gênio militar que foi e suas façanhas quase sobre-humanas nunca teriam explicação. Sua mãe depois da morte de Filipe, assassinado por um descontente insuflado contra o rei, criou o mito de ter sido fecundada pelo deus Apolo e que Alexandre era o filho do próprio deus solar. Depois de conquistar o Egito, por fim pode impor ser divinizado como filho do deus Amon Rá, sendo consagrado pelos sacerdotes. 

Ainda na Guerra do Peloponeso, antes do período alexandrino, Corinto era considerada uma cidade suntuosa graças a sua frota mediterrânea considerada a mais poderosa da Grécia e o controle militar das rotas comerciais. Seus artesãos produziam produtos valiosos que exportavam para toda a parte. A cidade estado era o lugar da moda na época e lá viviam num luxo exuberante as mais lindas e elegantes cortesãs de toda a Hélade. Na Acrópole de Corinto resplandecia um suntuoso templo dedicado a Afrodite. Mil mulheres ali consagravam-se ao serviço da deusa e atraiam marinheiros e viajantes do mundo inteiro. Era Astarte, a deusa fenícia, que era sincretizada como Afrodite, tinha sido importada daquela nação junto com a púrpura de Tiro. Píndaro descreveu em seus cantos "as hospitaleiras moças da poderosa Corinto". Durante a Guerra vivia em Corinto a considerada mais bela de todas as damas, Lais, a que Aristófanes denominou de "a Circe de Corinto". De todos os lugares vinham homens poderosos e ricos procurá-la para consagrar sacrifício a Afrodite. Ela possuía tanto ouro que patrocinava construções de templos. Nenhum homem se atreveria a questionar seu poder na época. 

A mãe dos deuses adquiriu muitos nomes e atributos entre os povos que vieram habitar a Europa. Nenhum homem poderia ser rei sem casar-se com a deusa tutelar, o acesso á realeza exigia um Hierogasmo com a deusa da Terra. Este argumento mítico-ritual é um tema recorrente entre estes povos. Trata-se de uma variante do antigo argumento proveniente da Ásia e do Oriente Próximo sobre a consagração do casamento entre o Céu e a Terra Mãe, personificados pelo soberano e sua hierodula. Este hierogasmo garantia a fertilidade da terra e a riqueza do reino por anos. Na epopeia do Ulster, dos contos celtas de origem, a rainha Medb (aquela que se embriaga) mantem numerosos amantes; o que equivale a dizer que pertenceu a todos os reis da Irlanda. Ela é a divindade que representa a soberania, a sexualidade e a guerra. Deve-se considerar que nas antigas sociedades celtas as mulheres possuíam liberdade e prestigio consideráveis. O ritual da Couvade (recolhimento) atestado na Europa entre celtas e bascos(população pré-indo européia) ressalta o importante papel magico-religioso da mulher. Junto a outros costumes arcaicos, como por exemplo os rituais fúnebres, os mitemas da travessia da morte, a couvade indica a sobrevivência de costumes pré-indo europeus provavelmente comuns às populações autóctones do Neolítico na Europa. Ela pode transformar-se em uma velha ou numa linda beldade, conhece as beberagens que embriagam e afrodisíacos mágicos, sua divindade garante o poder aos soberanos que com ela consagram matrimonio. Sua presença nos campos de batalha em seu carro de guerra atemoriza os exércitos, pode atingir uma velocidade sobrehumana, e detém espíritos familiares na forma de animais, um pássaro e um esquilo. 

Em relação às deusas, seus múltiplos atributos e funções que dominam vários campos como a fecundidade, a guerra, o destino e a fortuna são também atestados entre os germanos antigos, o que indica em parte uma herança indo européia. A esse complexo religioso que proveem da pré-história europeia e da proto-história celta foram sendo acrescentadas outras influências de origem mediterrânea, do sincretismo helenístico e romano e posteriormente cristão. A manutenção destes mitemas celtas demonstra a genialidade desta religião, a persistência da conservação dos seus elementos arcaicos, seus ritos de "mistérios" em relação a feminidade, ao destino, a morte, e sobre a travessia para o outro mundo e sua revaloração sincrética que da Antiguidade chegou até nossos dias. 

Desde as tribos ancestrais até as sociedades mais industrializadas permanece ainda o temor supersticioso à potência feminina. O mito da mulher castradora, o mito da vagina dentada e o do pecado original percorrem ainda o imaginário da humanidade de forma subliminal. Mulheres teriomorfas, meio serpente, vampira, andrófoba, górgona, monstros que permeiam os mitos como símbolos deste temor inconsciente característico de sociedades patrilineares. A imagem rebelde da semita Lilith exprime o oposto da mulher submissa, aquela mulher explorada e submetida à procriação constante e ao trabalho exaustivo no auge da Revolução Agrícola, sempre doutrinada à submissão, e que transmitia à prole o mito da mulher devoradora de nascituros para temor das gerações futuras, em aparente contradição de si própria. Quanto mais foi oprimida nas sociedades sedentárias militarizadas, mais sua potencia vital ficou represada. Portanto o corpo humano e por extensão o corpo feminino exposto passou a ser um ato pecaminoso, só transcendido pela estética da arte. Só agora, nos últimos cinquenta anos, rompeu-se a barreira com estrondo desvelando seu papel fundamental para a manutenção e transmissão da cultura no seu sentido mais amplo. 

Corpo e mulher, arquétipos libertos pela revolução sexual podem agora exercer de forma plena seu papel de transformação constante, da impermanência da cultura, como fator preponderante de evolução da humanidade, que alcançou uma velocidade vertiginosa nestes últimos 8000 anos em relação aos milhões de anos transcorridos da evolução genética do homem. Mircea Eliade comenta sobre estes cultos de origem agrária absorvidos pela metrópole guerreira dominante: 

"O culto de Cibele e os "mistérios" de Átis ilustram, ainda melhor que as outras formas religiosas contemporâneas, a diversidade estrutural das criações sincretistas. A deusa frígia introduzida em Roma em 205-204 a.C. para salvar a República, seriamente ameaçada pelos exércitos cartagineses, tinha uma história multimilenar. A pedra negra na qual Cibele estava ritualmente presente testemunha o arcaísmo do culto a rocha como um dos das antigos símbolos da Terra-Mãe. E é ainda um rochedo, em outras palavras, a grande mãe Cibele, que se encontra na origem de Átis e de seu culto. Segundo o mito narrado por Pausânias (VII, 17:10-2), um monstro hermafrodita, Agdístis, nasceu de uma pedra fecundada por Zeus. Os deuses decidiram castrá-lo e transformá-lo na deusa Cibele. De acordo com outra variante, do sangue do hermafrodita brotou uma amendoeira. Ao comer uma amêndoa, Nana, filha do rio Sangário, ficou grávida e deu á luz uma criança, Átis. Já crescido, Átis estava celebrando suas núpcias com a filha do rei, quando Agdístis, que a amava, se introduziu na sala de banquete. A assistência foi tomada pela loucura, o rei amputou seus órgãos genitais e Átis fugiu, indo mutilar-se num pinheiro e encontrando a morte. Desesperado, Agdístis tentou ressuscitá-lo, mas Zeus se opôs ao seu desígnio; permitiu apenas que o corpo de Átis permanecesse incorruptível e o único sinal de vida foi o crescimento de seus cabelos e o movimento de seu dedo mindinho. Uma vez que Agdístis não passa de uma epifania da grande mãe andrógina, Átis é ao mesmo tempo filho, amante e vitima de Cibele. A deusa deplora seu ciúme, arrepende-se e chora o amado. As raízes deste culto agrário podem remontar a um mito hurrita-hitita: Kumarbi, "o pai dos deuses", que fecundou uma rocha com seu sêmen. Nana é um outro nome da mãe. De acordo com outra variante, Átis é morto por um javali, trata-se de uma antiga tradição provavelmente de origem antropofágica, pois Heródoto faz referência ao mito em sua forma evemerizada. 

Esta mitologia arcaica se tornou extremamente popular no Império Romano pré-cristão. É evidente ser um mito primordial relacionado com o "mistério" do plantio e da formação da vegetação; os rituais cruentos que envolvem sangue e os órgãos sexuais ofertados à Cibele asseguravam a fertilidade da Terra-Mãe em sua origem. Com o passar dos tempos esse culto imemorial foi investido de novas significações religiosas; seus ritos de sangue tornaram-se meios de redenção. Muito antes de ter sido introduzido em Roma este culto propagou-se pela Grécia, onde também provavelmente sofreu modificações. Nestas duas civilizações a repugnância aos ritos cruentos de auto imolação e aos seus sacerdote eunucos mantivera Átis como deidade subalterna. Durante muito tempo em Roma não foi celebrado seu culto público. Foi na época do imperador Claudio que a divindade foi colocada em primeiro plano. Seus sucessores mantiveram o culto. As festas eram celebradas no equinócio da Primavera, de 15 a 23 de março. No primeiro dia (canna intrat, "a entrada do caniço"), a confraria dos canóforos levava para o templo caniços cortados; segundo a lenda, Cibele encontrara a criança Átis abandonada na margem do rio Sangário. Sete dias depois, a confraria dos dendróforos trazia da floresta um pinheiro cortado (arbor intrat). O tronco era enfaixado, como um cadáver, e no meio estava amarrada uma imagem de Átis. A árvore representava o deus morto. Em 24 de março, "o dia do sangue"(dies sanguinis), os sacerdotes (os galos) e os neófitos, ao som de flautas, címbalos e tamborins, entregavam-se a uma dança selvagem, flagelavam-se até sangrar, abriam os próprios braços com facas no auge do frenesi, alguns neófitos amputavam seus orgãos viris e ofereciam em oblação à deusa. As lamentações fúnebres da noite de 24 para 25 de março sucedia bruscamente uma explosão de alegria, quando, pela manhã, se anunciava a ressurreição do deus. Era o dia da "alegria", Hilaria. Depois de um dia de "descanso"(requietio), em 27 de março realizava-se a grande procissão ao rio, onde se banhava a estátua de Cibele(lavatio). Segundo certos autores, as iniciações individuais eram celebradas em 28 de março, o neófito era santificado com o sangue de um touro ou de um carneiro sacrificados(taurobolium e criobolium). Ao que tudo indica, o sacrifício substituía o rito da automutilação do mista,pois este oferecia à deusa os orgãos genitais das vitimas. Era admitido na "alcova nupcial"(pantós, cubiculum) ou "sob o baldaquino" como esposo místico de Cibele, tal como o sacerdote, o galo, que entrava nesse lugar sacrossanto para oferecer à mãe os restos da sua mutilação. (Mirceia Eliade) 

Segundo o estudioso haviam muitas apropriações dos rituais de Elêusis, do culto à Deméter, também relacionados com o tema agrário, pelas terminologias tomadas de empréstimo de uma parte ou da outra, quer pela derivação com base numa expressão comum utilizada na época em vários cultos de mistério helenísticos. A expressão refere-se aos rituais iniciatórios. O tamborim e o címbalo são os instrumentos preferidos de Cibele. Átis era denominado "espiga colhida verde", tudo indica que a refeição ritual consistisse essencialmente em pão e vinho, de fato chegou-se a dizer sobre o ritual, na Era Cristã, como o equivalente demoníaco e funesto da ceia cristã. 

Em geral nesses rituais arcaicos de iniciação são redescobertos os comportamentos de transe com origem ancestral longeva e são revalorizados os artefatos considerados obsoletos. As facas de sílex utilizadas para as circuncisões iniciatórias, ou o papel dos zumbidores e carrapetas (bull roarer) na mística dos sons de exaltação dos crentes, comum nas iniciações órficas, ou a função religiosa do "segredo sacro" natural dos rituais de mistérios. Esses rituais de Átis e Cibele prometiam a "imortalidade" dos iniciados.

Muitos aspectos arcaicos permanecem nesses ritos e movimentos religiosos de iniciação individual. A omofagia, isto é, o ritual de ingestão de carne crua celebrado a Dioniso pode ser considerado como reminiscencia aos caçadores primitivos. Enquanto em Elêusis recordavam-se os valores sacramentais do pão e do trigo. Musicas selvagens, danças frenéticas, tatuagens, ablução com bebidas alucinógenas, levam o crente ao contato com a divindade. O jejum imposto aos neófitos consiste na privação da carne do deus, no caso o pão, porque o deus é "a espiga colhida verde". A primeira refeição serve para sacramentar o pão e o vinho, alimento que representa a deidade, num ritual antropofágico velado, numa sociedade onde o alimento escasseia entre as populações urbanas. 

Com o advento do cristianismo ocorreu o sincretismo natural no culto mariano em relação às ideias relacionadas com o feminino como Simbolo Sacro da Sabedoria. A donzela é  fecundada por um ser divino, mas não na condição de vitima de um estupro, como foi Perséfone  descrita no hino homérico. Ela se assemelha mais a Perséfone órfica, que, como filha de Zeus, é engravidada pelo pai disfarçado em forma de serpente, sendo o produto desta união o filho do deus, Dioniso. Neste caso, a virgem de nome Maria ou Miriam concorda humildemente em ser o receptáculo do filho divino, o puer aeternus. Os relatos evangélicos posteriores a retratam como a segunda faceta de uma seita trinitária, como mãe protetora do menino Jesus em seu colo ou como enlutada, retratada na condição de Pietá, como psicopompa, um atributo ancestral da deusa ligada aos mundos ínferos. Uma seita mariana foi perseguida como herética pela Igreja primitiva que resistiu a sua deificação. A santificação progressiva de Maria e sua posterior divinização são sobretudo obra e imposição da devoção popular. Por volta do séc. I a Igreja Católica já tinha reconhecido a sacralização de Maria. A sua importância como Deipara, isto é, "aquela que dá a luz ao deus", na concepção de Jesus é atestada pela primeira vez no começo do séc. III, mas quando os monofisistas o utilizaram de forma herética foi substituído o termo por Theótokos, o mais especifico "Mãe de Deus". No entanto permaneceu uma mãe virgem, sendo este dogma confirmado no Concilio de Éfeso. 

No ocidente cristão a Virgem Maria foi identificada com a figura da sabedoria divina, enquanto que no oriente ortodoxo, ao lado da doutrina do Theótokos, surgiu a doutrina da sabedoria celeste, Sophia, na qual está representada na figura feminina do Espirito Santo. Este pensamento influenciou séculos mais tarde as elites intelectuais da cristandade oriental, a sofianologia, com papel similar ao desempenhado pela escolástica neotomista na época da renovação da filosofia católica ocidental. Mais uma vez uma crença arcaica adquiriu nova roupagem, assimilada pela religião católica, para ser revalorada e universalmente difundida. Com efeito tal teologia retoma e aperfeiçoa as concepções arquetípicas da Virgem Mãe, aquela que através da partenogênese (faculdade de autofecundação) gera o deus, com origem em raízes imemoriais na pré-história da Asia Menor e do Mediterrâneo, a mais significativa homenagem prestada ao mistério religioso da feminidade.

Com o advento do cristianismo, uma forma revivificada da Afrodite-Mari síria, ou de Maya, a mãe do Bhuda, ou da Ísis egípcia, ainda que despojada de sua sexualidade essencial, teve seus antigos templos pagãos como base para a construção das grandes Catedrais da Europa na Idade Média para onde acorriam os fiéis para cultuar a virgem sagrada, principal fonte de devoção do cristianismo. Até seu atributo como deusa da terra lhe foi restituído, em certa medida, em suas muitas representações européias como a Madona Negra, a deusa das terras escuras e férteis, ou a Lua Nova, obscurecida, de onde surgirá a luz. Segundo os estudiosos a Madona Negra está relacionada com antigas deusas orientais da fertilidade, tais como a Ártemis jônica, a Cibele frígia/romana e a Ísis egipcia, e que ela foi introduzida na Europa Ocidental pelos Cruzados. (Ean Begg - O Culto da Virgem Negra - pág 49)     


A Linguagem Humana - 

Existe um fosso intransponível entre a linguagem humana e os sons emitidos pelos animais em termos evolutivos. Sem esta distinção, este fator evolutivo e sua precisa especialização seria impossível a criação da cultura com todo seu conteúdo transmitido por gerações como uma extensão da bagagem genética, ferramenta primordial desenvolvida pela humanidade para sua evolução.

Na primeira etapa da evolução do nascituro até quase a idade adulta é a fêmea mamal individualmente a responsável pelo adestramento da endocultura de uma determinada população. Sons, hábitos e crenças particulares são transmitidos para a cria até que possa ocupar com a maturidade atingida seu devido lugar na hierarquia do grupo e sua sexualidade, de forma plena. O que pode ocorrer, no caso humano, com um rito de passagem, no caso masculino, que o tira da esfera de influência da genitora, ou que incorpore a maternidade, no caso da mulher em sua primeira menstruação.  

A dialética da mãe com sua cria estabelece o primeiro contato substancial do ser com seu meio cultural próprio. Em seus primórdios, como transmissão rudimentar de manifestações ou exclamações, sons que eram herdados desde a infância, de geração em geração, e passavam a fazer parte adquirida do costume do grupo transformando-se aos poucos em substantivos e adjetivos, após alguns milhares de anos.

Como transmissora fundamental da cultura, individualmente, através da transmissão oral, a mulher é um agente ativo na manutenção dos mitemas que dão origem ao corpo de conhecimento deste imaginário: "Todavia convém notar que, até o período helenístico, no qual Apolodoro, Higino, Diodoro Siciliano e outros reuniram mitos como um exercício mais intelectual do que religioso, não havia compilação isolada da mitologia grega que pudesse , por exemplo, comparar-se à Bíblia ou aos Vedas e outras coletâneas da Índia. Os mitos não eram necessariamente doutrinários, em nenhum sentido. Faziam parte de uma herança espiritual comum, ensinada às crianças pelas mulheres da família e, mais tarde, interpretada e questionada por mestres e filósofos como Sócrates, Platão, e Aristóteles, e por escritores e dramaturgos..." (Do Olimpo a Camelot - David Leeming - pág.53 - Ed. Zahar - 2004) 

Podemos então inferir talvez na existência de um Homero feminino primordial, que através da tradição oral, por gerações, embalou seus descendentes com os mitemas que iriam formar a cultura da futura Hélade, bem antes do ressurgimento da escrita que tinha sido esquecida pelas invasões dos bárbaros na península grega antes do período Clássico.  

Como manifestação onírica social, a cultura através da linguagem estabelece o imaginário da expressão humana, que segundo Gilbert Durand: "é o conjunto de imagens e as relações estabelecidas entre elas, que determinam o cotidiano dos seres humanos. Estas imagens são quase sempre definidas em pares de opostos: entre luz e trevas, masculino e feminino, bem e mal. Dentro deste contexto os mitemas definem os papéis de hierarquia e gênero da sociedade." A criatividade religiosa foi despertada não pelo fenômeno empírico da agricultura, mas pelo mistério do nascimento, da morte e do renascimento identificado no ritmo da vegetação. Estes relatos serão traduzidos em mitemas onde a existência humana acaba sendo comparada e nivelada à vida vegetativa, assim criando uma imagística própria que alimentou a poesia e a reflexão filosófica por milhares de anos e continua sendo verdadeira em nossos dias. 

No Gênesis, em sua alegoria, Adão é instado por Eva ao pecado ao ingerir do fruto da árvore do conhecimento, chave para a humanização, a distinção entre as dez mil coisas e seus nomes, a transgressão em relação ao divino poder masculino da Criação comum entre os semitas. Razão da cultura ocidental do pecado original que afastou o homem de deus atribuindo à mulher uma culpa eterna ao tentar equiparar-se ao poder masculino das deidades semíticos-arianas. Pois o feminino, e sua sacralidade, possui um simbolismo complexo de estrutura antropocósmica que associa o feminino ao corpo, a sexualidade. Simboliza o desejo humano em suas muitas manifestações e contradições, os ciclos da fertilidade, as fases da Lua, a ativação dos processos cerebrais reptilianos e límbicos de forma subliminar, sustentáculo da reprodução e expansão da espécie humana e da transmissão de sua bagagem cultural adquirida. É na Libido que reside a sexualidade, mas também a força propulsora do principio criativo e do imaginário. A arte imita a vida e a vida imita a arte, como já foi dito. 

É tentador pensar se o mitema de Eva e da serpente não seria, de alguma forma, uma distorção de um culto ainda mais antigo de uma deusa e a cobra que era seu atributo divino e companheira, que através da sua invocação traria o conhecimento dos subterrâneos para o mundo da superfície. 

Caçadores Coletores - 

Jarred Diamond em sua obra: "O Terceiro Chimpanzé" estabelece uma analogia entre o comportamento animal em relação a criação de padrões estéticos visando garantir o sucesso na transmissão de genes em várias espécies de aves e mamíferos. Ele argumenta que a arte humana tinha esta mesma função em seus primórdios, e muitas vezes o mantém ainda hoje. 

Os etologos recomendam que encontremos os elementos da conduta humana que são "arcaicos" ou "instintivos" para descobrir que limites são impostos à elaboração "cultural". Entretanto a razão destes estudos sobre a analogia de comportamento entre animais e seres humanos objetiva na verdade esclarecer sobre a diversidade de comportamentos possíveis a partir de principios fundamentais que podem formar o caleidoscópio da natureza (Etkin). 

Muitos estudiosos definem papeis de gênero para a caça e a coleta, definindo a primeira como papel eminentemente masculino e a segunda como sendo função do feminino nos grupos sociais arcaicos. Poderemos dizer que tais funções não devem ser consideradas ao pé da letra levando em conta as necessidades de sobrevivência do coletivo, principalmente da prole. É do instinto básico do primata mamal proteger suas crias de predadores e dar provisão até a idade adulta. A fome é um importante motivador em tempos de crise para o cambio de funções tradicionais dentro da comunidade. 

Portanto a diversidade deve ter se imposto mais que a determinancia de papéis sociais estáticos. Segundo menciona Hilary Callan em sua obra "Etologia e Sociedade", sobre a condição fundamental do feminino entre vários grupos de primatas como transportador do conhecimento para as gerações, independentemente das classificações de hierarquia, perpetuam o sistema, mesmo mantendo uma classificação de poder ambígua dentro do grupo. Isto deve ocorrer através de processos individuais de ensinamento e aprendizado que não são de incumbência sociológica. Segundo a autora: "Um paralelo interessante com o quadro de Margaret Mead sobre a mãe norteamericana dos anos 40, como determinante do exito e logro, em um sistema de onde a participação direta estava diretamente relacionada aos homens". Enquanto os machos assumem o papel de executivos nas transações sociais, parece que frequentemente as fêmeas são, de alguma maneira todavia obscura, as que mantém o sistema como tal; as mantenedoras e perpetuadoras de sua forma. 

Através da classificação hierárquica do macho, a fêmea mantém seu nível de poder no grupo de forma indireta. Da mesma forma o incitamento à violência pode ser deflagrado pelas fêmeas nos conflitos entre os machos preponderantes em várias espécies. Lorenz afirma que em algumas espécies de gansos o incitamento realmente merece este nome. Os machos reagem como cães ferozes que só esperam o sinal de seu dono para descarregar sua fúria. Nestas espécies, a função de incitar da fêmea está relacionada e conectada com questões territoriais. Se descobriu que os machos podiam coabitar em um cerco comunal se as fêmeas fossem retiradas do convívio. 

Assim o principio de domínio masculino está em conflito permanente com a capacidade da mulher em manobrar e intrigar. O papel individual dela, de poder velado, pode subverter e sabotar o sistema vigente , isto se, neste caso, a pauta masculina de domínio não for reforçada. Ao que parece ao colocar-se equivocadamente as mulheres em situações reais ou potenciais de conflito entre os homens, as converte em agentes de controle social. Mesmo que as mesmas mulheres corram riscos ou não. 

Entre os aborígenes australianos podemos encontrar a definição deste papel dual nas lutas entre os homens como provocadoras ou incitadoras do conflito. Por regra o esposo é o protetor, mas ela toma o papel do marido nas discussões, durantes as reuniões inter-tribais. Em tais ocasiões, as mulheres farão correr seus homens a luta enquanto se deleitam na comoção, prosseguindo com suas próprias disputas privadas, sem participar ativamentte, por assim dizer. Se parece que um esposo está levando a pior, a esposa pode intervir apressadamente, sem cuidar de si mesma, e tirar-lhe as lanças ou os bumerangues, ou até arrastá-lo, relutante e ainda lutando, para fora do campo de batalha. (Kalberry) 

Outro exemplo mencionado pela pesquisadora foi retirado da obra de Trotsky, História da Revolução Russa. Aqui o ponto a ser ressaltado era ser relativamente pouco provável que as mulheres fossem atacadas e por esta razão podiam colocar a prova a resposta dos soldados, seus conterrâneos, às chamadas dos revolucionários que pediam apoio na sua luta: 

...um grande papel é desempenhado pelas mulheres operárias na relação entre os trabalhadores e os soldados. Elas vão até os piquetes dos militares com mais audácia que os homens, se apoderam dos rifles, suplicam, quase ordenam: - Baixem as baionetas, unam-se conosco! Os soldados ficam excitados, envergonhados, trocam olhares ansiosos, vacilam; alguém se decide primeiro e as baionetas se levantam culpavelmente sobre os homens da multidão que avança. A barreira é aberta; um hurra! de jubilo e agradecimento sacode os ares. (Trotsky) 

Lewis Henry Morgan, estudioso dos hábitos dos iroqueses, sabia o que falava quando dizia que os homens deste grupo "consideravam as mulheres inferiores, dependentes e servas do homem e, por educação e habito, a mulher considerava-se assim." Os observadores anteriores deixaram-se enganar totalmente pela diferença entre descendência matrilinear e supremacia feminina. No entanto, o papel das mulheres iroquesas na tomada de decisões era velado pelos costumes. As matronas tinham o poder de promover e depor os anciões homens que eram aclamados para os cargos do conselho de chefes. Através de um representante masculino do conselho influenciavam as decisões e exerciam poder na condução da guerra e dos acordos de paz com os inimigos. A elegibilidade para o cargo passava através do escrutinio feminino, e era dever das mulheres indicar os próceres que constituiam o conselho. Mas as mulheres não podiam participar do conselho e os homens que ocupavam este cargo podiam vetar os nomes escolhidos por elas. Judith Browm, outra estudiosa destes costumes, em sua pesquisa afirma: "a nação não era um matriarcado, como alguns afirmaram" e conclui: ..."as matronas eram uma éminence grise". Podemos assim imaginar tomando este exemplo que as mulheres tem sempre mais influência por detrás das cena nestas culturas do que no primeiro plano. 

Marvin Harris em sua tese sobre o assunto acha desconcertante este comportamento e acredita que seja motivado em relação ao estado permanente de guerra destas antigas culturas. Alguns autores sustentam a noção de que as mulheres são, até certo ponto, os cães guardiões da comunidade, aquelas que tratam de restabelecer o equilíbrio quando aumenta a conduta antissocial. A exogamia é um dos fatores importantes para mitigar conflitos entre grupos ou indivíduos. Este é um papel familiar da mulher na história e possui amplos antecedentes com o cruzamento de dinastias tribais para resolver conflitos aparentemente insolúveis de vinganças ancestrais. A rede de vínculos parentais oferece uma certa proteção a todos, o que seria difícil em outra situação. Este sistema de relacionamentos familiares promoveram de forma prática o comércio e as trocas entre as aldeias. O intercambio social entre as mulheres aparentadas garantia sua segurança nas feiras das aldeias vizinhas, bem como, a proteção de algum individuo poderoso dentro da comunidade. Parece ocorrer algo peculiar na participação das femeas, inclusive das mulheres, nas aplicações da vida social que definem o território independentemente das condições de dominio patrilinear ou do matrimonio virilocal. 

Em sua obra: "Canibais e Reis" defende a tese que todas as instituições sexualmente assimétricas tiveram origem como subproduto da guerra e do monopólio masculino do poder bélico. A guerra exigia a manutenção de comunidades organizadas em volta de um núcleo residente de pais, irmãos e seus filhos. Isto resultou ao controle dos recursos por grupos de interesse paterno-fraternos e a troca de irmãs e filhas entre estes grupos através da patrilinearidade, patrilocalidade e preço da noiva, atribuindo à mulher como objeto de recompensa para a agressividade masculina. e consequentemente à poliginia como demonstração de prestigio dos guerreiros. A justificação para a atribuição de tarefas servis às mulheres e a sua subordinação ritual e pseudo desvalorização decorrem da necessidade de recompensar os machos à custa das fêmeas e atribuir razões sobrenaturais cosmogônicas para todo complexo supremacista masculino. 

Tácito ao comentar os hábitos dos bárbaros com relação as mulheres nas suas formações de batalha em sua obra "Germania" relata: 

"VII) ...No entanto o que principalmente os incita a ser valentes e esforçados é não constituírem os batalhões e companhias de pessoas ao acaso, mas da família e parentela, e terem perto aqueles que lhes são mais queridos, para que possam escutar o alarido das mulheres e os gritos dos filhos. Estes são suas mais santas testemunhas, os seus melhores panegiristas. Mostram as feridas às mães e às mulheres que não têm pavor de as contar nem de chupá-las. Antes, durante a batalha, levam exortações e mantimentos aos que pelejam." 

"VIII)Conta a tradição que, por vezes, as mulheres conseguiram restaurar batalhas quase perdidas, fazendo voltar os exércitos já em fuga, aos quais, expondo-se ao perigo, fizeram ver a escravidão eminente, a qual muito mais temem pelo amor das esposas. Desta forma se pode ter muito mais confiança nas cidades que por refém dão algumas donzelas nobres. Supõe que existe nas mulheres alguma coisa de santo e providente, e por isso não deixam de as consultar nem de ouvir seus conselhos. Vimos como, no tempo do Divo Vespasiano, Veleda foi por muitos considerada como divindade. E já em épocas anteriores prestaram culto a Aurínia e a muitas outras, não por mera adulação ou porque lhes quisessem prestar as honras de deusas, mas porque as tinham como tais. 





Revolução Agrícola - 

Com o advento da agricultura a condição da mulher piorou sensivelmente e o tempo de duração da vida do individuo encurtou em função da desnutrição e de doenças endêmicas relacionadas a concentração demográfica. Conforme estas sociedades agrárias prosperavam surgiram as distinções de castas, entre sacerdotes, dominadores e dominados. Muitos povos agrícolas foram conquistados pelos pastores nômades em constante busca de tesouros e da fartura de alimentos dos povos sedentários e aos poucos os dominadores foram formando as nobrezas por manu militari. Por outro lado os dominados forçaram a sedentarização de seus dominadores a partir de um processo cultural natural de assimilação do mais forte militarmente pelo mais fraco com cultura mais poderosa, cosmopolita, e abrangente. 

No Oriente Médio, num primeiro momento, uma vez feito o investimento no tratamento dos cereais e no armazenamento dos mesmos, a melhoria dos níveis de vida e a abundancia tanto de calorias como de proteínas tornaram extremamente difícil não tolerar ou encorajar a expansão da população. As dietas com médio teor de proteínas e alto teor de vegetais reduziram a eficácia da lactação prolongada como meio de contracepção; as mulheres eram mais sedentárias e podiam tomar conta de mais um bebê, bem como de crianças de três e quatro anos; as tarefas agrícolas assimilavam a mão-de-obra infantil; e as povoações podiam expandir-se para terras virgens. Tendo começado por 100000 pessoas em 8.000 A. C. , a população de Médio Oriente atingiu provavelmente os 3,2 milhões de habitantes pouco depois de 4000 A. C. - um aumento de quarenta vezes mais em 4000 anos. Este aumento populacional acarretou novas pressões sobre os níveis de vida, dando início a uma nova fase de intensificação e a novo ciclo de esgotamento (Marvin Harris - Reis e Canibais) 

Os excedentes de alimentos produzidos serviam as classes dominantes e condicionavam os dominados ao controle social, como ocorre até nossos dias. Não é por acaso que a nomenclatura empregada no plantio tenha sido também utilizada para definir o conjunto de atributos da cultura, em si um termo eminentemente agrário, e em relação a sua difusão. Neste sentido, as crises decorrentes de inundações ou secas serão sempre associadas, para serem aceitas, compreendidas e dominadas, aos dramas mitológicos. Estas mitologias e seus rituais e encenações irão dominar durante milênios o imaginário das civilizações até nossos dias. As contadoras de histórias terão papel preponderante na manutenção destes mitemas através da transmissão oral por séculos antes da invenção da escrita. 

Diamond Jarred nos conta em sua obra "O Terceiro Chimpanzé": "Ao levar à formação de divisão de classes sociais, a agricultura pode ter exacerbado a desigualdade sexual preexistente. Com o advento da agricultura, muitas vezes as mulheres se tornaram bestas de carga, se exauriram com as gestações mais frequentes e, portanto tiveram a saúde comprometida. Por exemplo, entre as mumias chilenas do ano 1000, as mulheres tinham mais osteoartrite e mais lesões ósseas decorrentes de doenças infecciosas que os homens. Na atual Papua Nova Guiné, nas comunidades agricultoras frequentemente vejo as mulheres cambaleando com o peso das cargas de legumes e lenha, enquanto os homens caminham com as mãos abanando." 

Revolução Francesa - As mulheres avançam sobre Versalhes




Um evento inusitado iria acender o estopim desta revolta do povo de Paris com forte presença das mulheres. Em 5 de Outubro de 1789, pos-se em marcha em direção ao Palácio de Versalhes, vindas de Paris, uma multidão de mulheres: operárias, vendeiras, criadas, prostitutas, umas bem vestidas, outras em pobres andrajos, mas todas armadas com paus, barras, forquilhas e espingardas. Sob uma chuva intensa e um céu de chumbo, percorreram os 30 quilômetros que separam a capital francesa de Versalhes, para falar ao rei, convence-lo a dar pão aos parisienses e a sancionar as decisões da Assembléia Nacional, pois, mais uma vez Luis XVI impedira homologar as decisões tomadas pela Assembléia a 5 e 26 de Agosto. Apesar da cena parecer burlesca a primeira vista, algo fazia pressentir um medo crescente dos monarcas, pela primeira vez confrontados com o povo em aberta rebelião. O mesmo povo a quem as decisões da Assembléia Nacional haviam dado o poder supremo. Enquanto isto ao crescente grupo de mulheres juntara-se no caminho um bando de homens incitados pelo levante. Na manhã de 6 de Outubro o Palácio foi tomado de assalto, após violenta resistência da guarda real, em que muitos foram mortos na luta. A rainha, odiada pelo povo, foi perseguida pelas salas luxuosas de Versalhes, só escapou da morte no ultimo instante. O marquês de La Fayette, à frente da Guarda Nacional, salvou a situação. Conduziu Maria Antonieta a uma das varandas do palácio e, à vista de todos, inclinou-se respeitosamente para lhe beijar a mão. O povaréu reunido aplaudiu estrondosamente. O rei capitulou a seguir, ratificou a abolição dos privilégios dos nobres e do clero e a Declaração dos Direitos do Homem. Cedeu igualmente às vontades do povo, que exigiam que regressasse imediatamente à Paris. Na tarde de 6 de Outubro pos-se em marcha um imenso cortejo. Luis XVI e a família iam num grande coche dourado, La Fayette seguia a cavalo, junto à portinhola da rainha, enquanto a Guarda Nacional seguia na vanguarda. Atrás vinham homens e mulheres que haviam tomado de assalto o palácio ainda mais cedo. A chuva cessara. Fazia uma bela tarde de Outono. Vitorioso o povo, que na mesma manhã se havia atirado ao sangrento combate, estava de bom humor, fazia uma alegre algazarra, ria e cantava. Diziam estar levando para Paris o padeiro, a padeira e o pequeno aprendiz. A partir de então a família real francesa iria ocupar a ala mais estreita e mais escura das Tulherias. 

Três mulheres se destacaram com clareza neste período da Revolução Francesa. Todas tiveram o mesmo fim nas mãos dos seus carrascos, arrastadas ao cadafalso. A primeira foi Maria Antonieta. Seus anos de provação e a morte de seu esposo guilhotinado a haviam resignado. Até seus guardas a admiravam por ela tudo suportar com dignidade. A rainha não ignorava quão difícil seria fugir da sorte do marido. Mas nem por isso deixava de ter uma atitude de orgulho.Sua sentença de morte foi dada a 16 de Outubro de 1793 e executada no dia seguinte. 

A segunda mulher era Madame Roland, a "alma dos girondinos", a irreconciliável inimiga de Maria Antonieta, a quem seguiria, no entanto, algumas semanas depois, no cadafalso. Ela punha toda sua bela eloquência na causa republicana. Bela, inteligente e culta, Madame Roland, desde a juventude, era uma ardente e radical inimiga da monarquia, e considerava Luis XVI e a esposa um casal de desprezíveis celerados. Ela encarnava o ideal moral do grupo, e era a musa dos Girondinos. Como força inspiradora fascinava os homens que recebia à mesa, para lhes servir um jantar espartano, como convinha a uma hospedeira imbuída das virtudes revolucionárias. O salão de Madame Roland era o centro politico do momento. Foi ali que se debateram importantes questões da Revolução antes de se levarem às reuniões da Assembléia Legislativa. Presa ao mesmo tempo que esses homens a quem havia inspirado, Madame Roland disse calmamente: "Hoje um palácio, amanhã uma prisão, eis a morte dos justos" Manteve sua postura inspiradora até o fim. No cárcere os companheiros de desgraça admiravam-lhe o otimismo, a bondade, a força de espírito. Diz-se que, antes de subir ao patíbulo, encorajou um dos seus companheiros, completamente aniquilado, da seguinte forma: "Ide a frente, pois não tereis coragem depois de ver correr o meu sangue".

A terceira mulher era Carlota Corday, a jovem que, numa bela noite de verão de 1793, tomou em Caen a diligencia para Paris, onde alugou um quarto num pequeno hotel. No sábado, 13 de Julho, dirigiu-se ao Palais Royal, onde comprou uma grande faca de cozinha. Dirigiu-se a casa do cidadão Marat num coche de aluguel. Como não foi recebida de imediato, voltou a noite e foi recebida e levada até o domicilio do "amigo do povo". Marat sofria de uma doença de pele que o obrigava a banhos demorados; recebeu a visitante mergulhado em sua banheira tamanco. Carlota principiou com o tribuno uma animada conversa. De súbito tirou a faca e atacou. Marat soltou os últimos suspiros alguns minutos depois. Um pouco antes de ser executada, Carlota Corday disse simplesmente: "Que paz!" Ela não fez nada para escapar às consequências de seu ato, manteve depois a calma e o sangue frio, com a certeza de missão cumprida. Ela estava certa de ter prestado um grande serviço à pátria. Marat aos seus olhos era a encarnação do mal. Ao assassiná-lo esperava desferir um golpe mortal no terror que exterminou os Girondinos e minava toda a França. Essas três mulheres deram uma significação aos acontecimentos de sua época, todas tinham em comum serem inimigas dos Jacobinos. Representavam as três correntes que ao tomar o poder eles tiveram que lutar contra. A nobreza representada por Maria Antonieta, Madame Roland dos girondinos acusada de pretender desvios na revolução, Carlota Corday como a oposição dos camponeses contra a tirania de Paris e a tudo que representava a sangrenta opressão revolucionária que dizimava os campos. 

Revolução Industrial - 




As máquinas fizeram sua entrada na vida inglesa do fim do séc. XVIII, instaladas nas fábricas, que por sua vez, se instalaram nas periferias das cidades. Mas para servir as máquinas são necessários homens e mulheres. As máquinas exigem operários. E de onde vieram estes trabalhadores? Eles vêm dos campos esvaziados pelas reformas que impediram o uso das terras comunais nas vilas pelos pequenos agricultores em prol da nobreza agrária. Chegam em multidões, pobres, esfomeados, sem abrigo, na esperança de ganharem o pão nas novas fábricas. Foi entre os camponeses que se recrutou os exércitos anônimos da Revolução Industrial. Proletários e jornaleiros acorrem para trabalhar nas perigosas máquinas. A terra é confiscada para uso da nobreza e os pequenos agricultores são obrigados a vender suas terras por valores irrisórios para estes investidores.

A Revolução Industrial nada mais representa do ponto de vista histórico que uma continuidade na exploração da mão de obra da Revolução Agrícola, e dos recursos naturais saqueados nas colonias dos impérios, antes cativas nos campos e depois, com o advento das máquinas a vapor e fábricas, multidões foram tangidas para os centros urbanos. A mulher continuou a ser tratada como mão de obra barata para ser vendida nas grandes tecelagens, explorada em jornadas extenuantes junto com meninas e meninos vindos de abrigos e orfanatos, sempre a merce de sofrer acidentes nas perigosas máquinas de então. Antes do trabalho ser regulamentado o trabalho das mulheres e das crianças era o menos invejável. As fábricas são tanto prisões como locais de trabalho, nas industrias de tecidos e nas minas. O proprietário é o todo poderoso. Pode-se afirmar que naquela época um operário fabril não durava mais que quarenta anos.

Spinning-Jenny



A concorrência com as manufaturas de tecidos do Oriente desenvolveu a tecnologia da industria têxtil na Inglaterra com um grande numero de invenções. Entre outras invenções, em 1767, John Hargreaves inventou a spinning-jenny - do nome de sua filha Jenny, que generalizou-se rapidamente, já que ela fazia o trabalho da mulher. Uma só operária poderia fazer até cento e vinte fios ao mesmo tempo, substituindo as velhas rocas. O nome Jenny era muito comum na Inglaterra da época. No começo houve resistência pelo seu uso por parte das operárias que temiam o desemprego, mas ela acabaria por triunfar no chão das fábricas. Thomas Highs inventou uma máquina de tecer, a water-frame, acionada por uma roda hidráulica. Em 1774, Samuel Crompton combinou certos elementos da spinning-jenny e da water-frame a fim de criar a mule-jenny, que produzia um fio de alta qualidade para tecer musselinas. Por volta de 1765, Richard Arkwright constrói uma máquina que facilita e acelera a fiação do algodão. Brutal e inculto, enérgico e notável organizador, este personagem foi o perfeito protótipo da nova classe surgida na Revolução. Foi com este algodão trazido do trabalho escravo nas colonias das Américas e manufaturado por trabalhadores em regime de verdadeira servidão que a Inglaterra financiou suas guerras na Europa para afirmar seu império mundial.

    
Mule-Jenny

A Comuna de Paris -

A revolta explode sangrenta novamente na Paris de 1848. A crise e o desemprego assolavam uma frágil monarquia. Entre os franceses que esperavam a revolução realizar os sonhos do povo devemos citar George Sand, que desde 1832, se revelara a mais notável mulher das letras francesas da época e a rainha dos salões literários parisienses, antes de integrar os grupos revolucionários. George Sand, juntamente com Lamartine souberam exprimir da maneira mais elevada os ideais humanitários da revolução, o entusiasmo romântico perante a futura iminente libertação da humanidade. Não se tratava de afetação, nem de pura retórica. Sentia o que dizia. Inspirada em Rosseau, Byron e Chateubriand e portanto colocava toda a sua paixão, toda a sua seriedade e toda a sua obstinada perseverança na defesa dos direitos da pessoa contra as convenções. Esta sua atitude fez da sua vida uma interminável provação, mas os amigos, as maiores celebridades europeias, a recompensaram com uma profunda admiração. Suas ideias seriam o estopim de uma nova época que se insurgia contra a monarquia absolutista.

Enquanto isso, no reino da Baviera reinava Luis I, um devoto católico sedento das bençãos da Igreja; a ponto de seu confessor ser indispensável, e esse confessor odiava o liberalismo. A censura católica contra liberais e protestantes e as belas artes proliferavam conjuntamente na linda Munique até o momento em que a dançarina Lola Montes chegou à cidade.

Era uma cortesã de beleza surpreendente: cabelos negros, rosto moreno, silhueta formosa. Ao final da adolescência usou seus lindos dotes para atrair amantes ricos e poderosos. Entre seus protetores encontraram-se Franz Lizst e Alexandre Dumas, filho. Foi Franz Lizst que a introduziu no círculo de conhecimento de George Sand, o grupo intelectual mais avançado e sofisticado da época. Seu verdadeiro nome era Betty Watson, casada com um oficial inglês, aventurou-se pelas Índias Orientais. Separou-se dele e iniciou uma carreira artística pela Europa como dançarina espanhola. Alcançara grande sucesso em sua turnê por Londres, Paris, Berlim e Varsóvia, provocando escândalos e expulsões por onde passava.     

Quando de sua chegada em Munique sua "má" reputação era bem conhecida. Após grande perseverança conseguiu uma audiência com o rei que daquele dia em diante tornou-se seu escravo. Cobriu-a de presentes e jóias, equipagens, um palácio esplendido. Elevou-a à nobreza como Condessa de Lansfeld. Era vista em toda a parte na companhia do soberano. A ligação, mais ou menos natural, entre cortesãs e monarcas era considerada normal na época até o momento em que ela começou a se interessar pelo governo do seu soberano. Na verdade ela aliava sua beleza a extrema inteligencia e ambição. Sonhava reformas liberais para o reino da Baviera, pelo que declarou guerra ao clero e aos que ela denominava "filisteus". Ela costumava misturar liberdade com o que era considerado na época libertinagem, o que em nada alterava a questão. A crescente insatisfação da sociedade contra a favorita do rei levou o país a insurreição.

Em Fevereiro de 1848, várias manifestações estudantis tomaram vulto e violência em Munique e Lola teve que ser rapidamente expatriada para a Suíça e posteriormente foi morar nos Estados Unidos da América onde abandonou a profissão de cortesã. Sob pressão do movimento revolucionário Luis I abdicou. Ela tentou carreira como bailarina no Oeste selvagem indo posteriormente para a Austrália. Voltou para Nova York, onde morreu na mais absoluta miséria aos 40 anos.



Lola Montez

 

Florence Nigthingale nunca se contentou com a vida social rotineira das mulheres inglesas. Ela vivia numa classe social da sociedade britânica onde se tinha a opinião de que as mulheres jovens deviam viver unicamente para a família. Seus pais, muito ricos, desejavam vê-la brilhar na sociedade, casar com um jovem do seu nível e acabar seus dias no seu lar cuidando da casa e dos filhos. Ela adorava bailes e vida social, mas isso não era o suficiente. Aos 16, dizia ela, recebera de Deus a ordem de servi-Lo. As misérias da industrialização abriram-lhe os olhos. Que uma jovem de boa família escolhesse uma profissão já era uma coisa fora do habitual; mas que se tornasse uma enfermeira era puro escândalo.  Sua tomada de posição, em face do vitorianismo atuante, lançava as bases de uma alteração social importante. 

Ainda jovem, numa viagem ao Egito, visitou escolas e hospitais, despertando assim sua vocação para a enfermagem. Ao voltar para a Inglaterra pesquisou muito sobre o assunto. Em 1854 os ingleses estavam estarrecidos com as péssimas  condições nos hospitais do exército anglo-francês na Criméia. Mais de 100.000 soldados morreram vitimas da cólera e do frio inclemente. Florence seguiu com uma pequena equipe para a área do conflito. Sua atividade nos hospitais de Scutari tornou-se lendária, tal sua dedicação aos feridos em jornadas de vinte quatro horas por dia. Foi cognominada "o anjo no campo de batalha"  ou como os ingleses a chamavam "a lady with a lamp". Em poucos meses diminuíram os óbitos. Mas ela própria adoeceu e teve que ser levada para a Inglaterra.

Ela não era a doce pessoa que a tradição quis fazer dela. Poderia ser um anjo de doçura quando tratava de um soldado moribundo no consolo de seus últimos momentos. Mas quando necessário ela lutava com todas as forças contra os preconceitos, e construiu sozinha seu futuro, lutando dez anos quando retornou da Criméia contra a Inglaterra oficial. Ela era uma agitadora impiedosa a favor dos interesses das mulheres sem a mais pequena dose de romantismo. Diziam dela "estar possuída por um demônio". A verdadeira Florence, por ser muito menos angélica, oferece hoje muito mais interesse que sua lenda.

Passou um bom tempo antes que Florence Nightingale conseguisse impor sua  forte personalidade. Nessa época a dúvida e o desespero levavam-na à beira da loucura. Mas sua imensa vontade acabou por prevalecer. Florence recebeu a formação média que tanto desejava. Em Agosto de 1853 tomava a direção do seu hospital em Harley Street. Com lágrimas nos olhos, sua mãe se lamentava: "Sentimo-nos como patos que chocaram um ganso selvagem!". "A boa criatura enganava-se", disse Linton Strachey na época: "Não chocara um cisne, mas uma águia." Com seu esforço e dedicação editou trabalhos e lançou as bases do que seria a enfermagem hoje criando escolas e fundando o moderno sistema hospitalar conforme seus ideais.

Em 1870, com a abolição da escravatura nos Estados Unidos da América surge o movimento feminino das sufragistas para igualar os direitos de voto conquistados pelos negros para as mulheres que reivindicam também o direito de participar das eleições.

Quantas mulheres extraordinárias foram responsáveis pela revolução de costumes que iria ter seu apogeu na metade do séc. XX ?

Século XX - O Despertamento

Como pudemos observar nesse breve relato da história humana dos últimos 8 mil anos, houve um razoável lapso de opressão ao feminino, principalmente incentivado pelas religiões de origem abraâmica, que nas suas liturgias relegaram o feminino a uma condição subalterna. Obrigando as deusas formadoras a um casamento forçado com seu Deus Javé, que castigava o pecado da carne e impunha o temor e a ira divina.

Podemos relacionar neste período relativamente curto da história humana uma imensa relação de nomes de mulheres formadoras de opinião que influíram direta ou indiretamente nos caminhos que a humanidade seguiria até atingir sua plenitude de expansão e controle planetário apesar da grande resistência do sistema vigente machista. 

A mulher pode ser condicionada e adestrada desde pequena para transmitir aos seus filhos os valores culturais da submissão de gênero como uma verdade absoluta. Mas até hoje nenhuma sociedade humana conseguiu conter o Poder imanente do Feminino, como manifestação natural e instintiva humana. O inicio do séc. XX marcou o começo do sitio aos inexpugnáveis direitos exclusivos dos homens que chegavam ao fim, pelo menos no papel.




Em 8 de março de 1917 (23 de fevereiro do calendário juliano), a partir de uma manifestação de trabalhadoras que comemoravam o Dia Internacional das Mulheres, que se reuniram com operários têxteis em greve da fábrica Putilov, tem início a revolução de fevereiro na Rússia. Foi um belo encontro. As tropas de infantaria mandadas para reprimir o movimento, soldados que tinham vindo do campo, desgastadas com uma guerra insana na Europa, resolveram não reprimir as manifestações, aderindo aos manifestantes. O Imperador Nicolau II não se encontrava na capital, Petrogrado, foragido e acossado, numa casa de campo. A onda contrária ao poder dominante se avolumava. Diante da nova e surpreendente conjunção de forças criadas de mulheres, operários e forças armadas, o Czar abdicou. Acabava, assim laconicamente, isolado, o último poder autocrático da Europa. Um poder que era resíduo dos tempos do absolutismo. Quem diria? A antes temida autocracia dos Romanov, por séculos uma tirania interna exercida com mãos de ferro, caiu por força de uma manifestação popular espontânea de mulheres e operários. Uma tirania, vale lembrar, que se constituiu por muito tempo no principal bastião da política conservadora européia, talvez o principal espectro anticomunista a que Marx e Engels aludiram na primeira frase do Manifesto ComunistaCom a revolução bolchevique, que teve forte influência das trabalhadoras como   formadoras de opinião, por fim adquiriram, pela primeira vez no mundo seu direito ao voto, na antiga URSS, primeira nação a determinar a igualdade de gêneros e de povos, não sem antes muita luta, dor e morte de companheiras trabalhadoras. Com a industrialização crescente as mulheres vieram ocupar um espaço cada vez maior na sociedade soviética graças as oportunidades iguais de educação que libertou milhões de mulheres do jugo czarista e da Igreja Ortodoxa Russa. Na II Guerra Mundial os contingentes femininos lutaram em pé de igualdade contra os nazistas enquanto no Ocidente também ocorria uma revolução silenciosa.




Desde a década de 40 a mulher saiu em busca do seu mercado de trabalho no Ocidente. A II Guerra abriu um amplo mercado de trabalho para as mulheres que serviram com afinco no esforço de guerra de todas as nações. Conforme relata o antropólogo doutorado Ralph Linton em sua obra "O Homem": "Assim, nossos próprios padrões para as atividades permitidas às mulheres tem sofrido nos últimos cinquenta anos (1959), modificações acentuadas e que podem ser traçadas passo a passo. Nossa sociedade não decidiu subitamente que mulheres respeitáveis pudessem trabalhar em escritórios, nem pôs-se subitamente a adestrá-las para este fim. Mas foram certas mulheres, individualmente, que decidiram que desejavam trabalhar em escritórios e assim fizeram a despeito de estarem violando os padrões geralmente aceitos para o comportamento das senhoras. À medida que o trabalho feminino nos escritórios se tornou fato consumado, os padrões de comportamento das senhoras se alargaram a incluir esta atividade. Há cinquenta anos, a expectativa da mulher comum da classe média norte americana era tornar-se esposa e dona de casa. Ser obrigada a ganhar a sua vida parecia-lhe uma calamidade. De acordo com esta expectativa adestravam-se para o casamento e nada mais."

Podemos considerar que este movimento de libertação feminino possui uma universalidade própria que transcende as questões politicas ideológicas entre esquerda e direita. Podem também representar no Ocidente, uma adequação das forças do capital, para absorver estes contingentes, uma mão de obra até então carente de oportunidades. O fato é que vieram ocupar um espaço cada vez maior com total dedicação e eficiência. Até a década de sessenta elas permaneciam no trabalho apenas no interregno entre a formação e o casamento. Agora são indispensáveis para o funcionamento da sociedade, onde ocupam todas as funções e ainda mantêm a prole com a ajuda de outras mulheres adultas aparentadas ou do mesmo núcleo familiar.




O Futuro -

Marija Gimbutas, em sua tese sobre a Europa Antiga, afirma que no período neolítico se vivia uma arcádia pré-histórica com baixa densidade demográfica controlada pelo matriarcado e definida pela matrilocalidade das sociedades proto agrícolas, sem conflitos, baseada em trocas de mercadorias entre as comunidades de forma abrangente e quase continental. Foi o militarismo trazido pelos povos indo-arianos que mudaram o mundo ao ponto da nossa cultura considerar normal este estado de guerra permanente entre as nações, com seus exércitos consumindo recursos inestimáveis em sociedades policiadas e patriarcais. Portanto tal comportamento cultural adquirido pode sofrer com o tempo transformações históricas definitivas.    

O supremacismo masculino baseado no comportamento adquirido da guerra permanente está felizmente com seus dias contados. A imposição da força deixou de ser uma vantagem na guerra, cada vez mais tecnológica. Apenas em culturas exóticas distantes na Ásia as mulheres continuam a ser segregadas. Independente do regime vigente a libertação da mulher tornou-se um valor universal, bem como a garantia de cidadania plena na maioria das sociedades.

Em relação ao feminino, esta transformação do comportamento atávico abrange um amplo contexto psicossocial radical. A libertação do feminino é a libertação do corpo, o fim do tabu medieval sobre a nudez, a libertação da libido no melhor sentido. Na criação da cultura de forma transformadora, na sua expressão maior que é a arte em todas as suas expressões. A libertação do feminino representa a libertação da sexualidade humana em direção a sua plenitude. Uma é expressão da outra. Grandes passos estão sendo dados.

     
Bibliografia:

1) As Máscaras de Deus - Joseph Campbell - Tomo I - Edit. Palas Athena - 1992

2) História das Crenças e das Ideias Religiosas - Mircea Eliade - Tomo II - Edit. Zahar - 2011

3) Do Olimpo a Camelot - David Leeming - Edit. Zahar - 2004

4) O Terceiro Chimpanzé - Jared Diamond - Edit Record - 2010

5) Canibais e  Reis - Marvin Harris - Edições 70 - 1990

6) Etologia y Sociedad - Hilary Callan - Fondo de Cultura Economica - 1978

7) O Homem - Ralph Linton - Livraria Martins Edit. - 1959

8) O Canibalismo Amoroso - Affonso Romano de Sant'anna - Edit. Brasiliense - 1985

9) História Universal - Carl Crimberg - Tomos III, XV, XVI - Publicações Europa-América - 1968

10) A Germania - Tácito - Edit. Livraria Educação Nacional, L,da - 1941 - Porto