"Há recessos desconhecidos na nossa mente que estão além do limiar da consciência relativamente construída. Não é correto designar esses recessos por subconsciência ou superconsciência. A palavra além é simplesmente usada porque é o termo mais conveniente para indicar o lugar. Mas o certo é que não há na nossa consciência nem além, nem debaixo nem em cima. A mente é um todo indivisível e não pode ser desagregada em pedaços" (D. T. Suzuki - Introdução ao Zen)

"Entrar na floresta sem mover a grama; entrar na água sem provocar nenhuma ondulação" (Zenrin Kushu)

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Pandemia e a Lei da Causalidade








"Muitos objetariam que semelhante visão do universo anula a lei básica de causa e efeito, assim como consideramos que a ausência de chuva, causa a seca, que a seca traz a fome, que a fome causa a morte. Mas a ausência de chuva, a seca, a fome e a morte são apenas quatro modos de considerar e descrever o mesmo evento. Admitindo-se a existência de organismos vivos e a ausencia de chuva, teremos como resultado a morte. A noção de causalidade é simplesmente uma forma pouco convincente de ligar os diversos estágios de determinado evento, que distinguimos e separamos para melhor descreve-lo: assim ludibriados pelas nossas próprias palavras, passamos a considerar estes estágios como eventos diferentes, os quais podem ser unidos pela cola da causalidade. Na verdade, o único evento é o próprio Universo. Na verdade Li, e não a causalidade, é o fundamento do mundo."

(Tao - O Curso do Rio - Alan Watts - Ed. Pensamento - 1975)


“O Céu e a Terra procedem da mesma Fonte; As dez mil coisas e eu somos Um”

“Todo o Universo não é mais que a expressão de nossa própria mente”

“O mundo objetivo só pode sobreviver em minha própria subjetividade”

“O mundo objetivo não existe realmente até o momento de ser experimentado e apreendido por minha subjetividade”

“Cada coisa está em todas as demais”

“Cada coisa, cada objeto individual está em cada um dos outros objetos individuais”

“Isto é Prajñâ, a Sabedoria Transcendental, e quando se alcança essa intuição, se alcança o Zen. O Zen não é outra coisa que esse conhecimento intuitivo”

“A Intuição é Prajñâ ou Iluminação. Isto quer dizer: nenhum ser individual subsiste, mas existe algo que não é um objeto individual; há uma percepção de algo e esta percepção é Intuição”

“A mente se desprende, quer dizer, atua, funciona, fazendo frente a uma infinidade de situações distintas. Quando a mente olha a lâmpada, a enxerga iluminada; quando toca a mesa, a sente dura. Assim funciona a mente; quando o corpo é golpeado, sente o golpe. A mente move-se e funciona desta forma como percepção sensorial ao externo à medida que as coisas vem até nós. Este movimento da mente é sumamente sutil, obscuro e misterioso”

“Quando golpeio a mesa, sinto o golpe; mas, quem é aquele que sente? O quê é aquele que sente? Quando tentamos surpreender a esta pessoa, mente, alma ou espírito, e vê-lo não é possível fazer. Existe algo que se gostaria de surpreender de si mesmo, mas resulta impossível; a alma, o espírito está em constante e sutil movimento. Quando está atuando desta forma sutil é possível apoderar-se desse algo que não pode ser agarrado. No instante que é apreendido, então ocorre sabedoria real ou Prajñâ. Uma vez alcançada Prajñâ, se é absolutamente livre de todo o pesar, aflição, ou qualquer outra circunstância semelhante”

“Esta compreensão corresponde a Intuição. Apreender é somente agarrar e o tato, suponho, é o mais primitivo dos sentidos, pois proporciona de imediato e direto sentimento de identidade; daí a necessidade de agarrar, de colher com as mãos. A visão é o mais intelectual dos sentidos, e a audição está próxima, a partir desta perspectiva, à visão, mas há uma grande distância entre eles e seu objeto, enquanto que no tato há uma proximidade imediata. Devemos experimentar isso. É o mesmo que ocorre com a Intuição, não exatamente com a intuição relativa, senão com a Intuição Coletiva ou totalizadora. Quando esta surge, há verdadeira compreensão da realidade e verdadeira experiência de Iluminação. É isto que constitue o ensinamento do Zen, tal como foi comunicado por Yeno, Hui-neng ou Wei-lang no séc. VIII”
(Budismo Zen - Daisetz T. Suzuki - Ed. Kairós - Barcelona - 1993)

O ano de 2020 será lembrado como o ano em que a pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2 precipitou uma ruptura maior no funcionamento das sociedades contemporâneas. Será provavelmente lembrado também como o momento de uma ruptura da qual nossas sociedades não mais se recuperaram completamente. Isso porque a atual pandemia intervém num momento em que três crises estruturais na relação entre as sociedades hegemônicas contemporâneas e o sistema Terra se reforçam reciprocamente, convergindo em direção a uma regressão econômica global, ainda que com eventuais surtos conjunturais de recuperação. Essas três crises são, como reiterado pela ciência, a emergência climática, a aniquilação em curso da biodiversidade e o adoecimento coletivo dos organismos, intoxicados pela indústria química.i Os impactos cada vez mais avassaladores decorrentes da sinergia entre essas três crises sistêmicas deixarão doravante as sociedades, mesmo as mais ricas, ainda mais desiguais e mais vulneráveis, menos aptas, portanto, a recuperar seu desempenho anterior. São justamente tais perdas parciais, cada vez mais frequentes, de funcionalidade na relação das sociedades com o meio ambiente que caracterizam essencialmente o processo de colapso socioambiental em curso (Homer-Dixon et al. 2015; Steffen et al. 2018; Marques 2015/2018 e 2020).


Pandemia e Humanidade

Tempo, Universo, Mente, entidades conhecidas por todos, universalmente aceitas, percebidas no consciente racional, referência obrigatória que define os movimentos externos da criação e os internos de nosso próprio microcosmo. Intuímos, através de nossos instintos básicos, observamos tais fenômenos como parte integral de nossa existência, mortais comuns que somos nem pensamos levantar algum questionamento. Apostamos na aparente imutabilidade, e normalidade de tais leis naturais, na sua perpetuidade, sem conseguir captar a dinâmica alucinante de tais energias, sequer conhecer os mecanismos, ondas, partículas envolvidas no seu orquestramento.

Desde a antiguidade, nos primórdios da evolução humana pré agrícola, mesmo antes do surgimento das grandes civilizações, o ser humano observa as grandes transformações da natureza, o desenrolar constante de seus ciclos, associando-as por analogia aos movimentos dos astros no firmamento e através da observação destes fenômenos celestes percebe a sua influência nas condições climáticas, ora favoráveis, ora desfavoráveis para empreender suas migrações junto com as manadas de herbívoros ou em outros empreendimentos e atividades sazonais associados a sua sobrevivência. Mesmo quando sobreviviam da caça e coleta de alimentos, estes primatas, entes sensíveis, já percebiam a existência destas energias, as quais atribuíam poderes anímicos, produto de uma fonte inesgotável de poder invisível, criador e destrutivo, porém sempre atuante em suas breves existências.

O Universo é como uma imensa teia complexa onde galáxias, estrelas e planetas estão diretamente interligados pelo tecido do espaço-tempo. Desde sua origem a energia quântica, sem limites ou lacunas, determina as tendências de existência da matéria como a conhecemos, seus atributos, como uma matriz de informação contínua, auto determinante de função quadridimensional, para um fim que absolutamente desconhecemos, mas que parece favorecer a criação de sistemas bióticos em quadrantes determinados, como é o caso do planeta onde vivemos. Os eventos cósmicos devem ser portanto determinados na medida do possível. É o que a humanidade tem tentado fazer desde os primórdios dos tempos, prever os eventos cósmicos e estabelecer uma correlação na sua efêmera existência no planeta.

Muitos nomes foram dados para estas forças conforme a humanidade foi evoluindo em sua jornada sobre o planeta. Do animismo totêmico evoluiu para o Tao, o Ain Soph, o Uno, o Brahman, Oxalá, aquele que simboliza a energia absoluta sobre as demais forças anímicas que regem as manifestações do Universo conforme cada cultura foi desenvolvendo. Chegando afinal ao pensamento cientifico do alquimista Newton, Galileu e posteriormente com Pasteur, Darwin, Wallace, Einstein, Oppenheimer, Feynman, em seu contexto reducionista. Determinismo e Reducionismo são as bases da cultura cientifica ocidental. Se explica o todo pela parte. Busca-se a Unificação das Forças conhecidas do Universo em uma única Lei cientifica que explique as relações matemáticas, partículas que definam o Principio do Universo, a matéria escura e suas implicações. Biologia, física e cosmologia. Mecânica Quântica. E tudo o mais que envolva o tecido do Espaço/Tempo e suas correlações com nossas vidas no Planeta. Nunca o homem descobriu o quanto sabe tão pouco sobre os fenômenos que permeiam o nosso ambiente estelar e alhures. Nem sobre o advento da vida nem sobre o fenômeno da existência.

Este anseio exige uma nova hermenêutica cientifica que recém dá seus primeiros passos em direção ao surgimento de novas questões que  sobrepõem o homem perante o Universo. Olhar através do tecido do mundo das aparências para flagrar o  Deus Ex-machina e o funcionamento de suas engrenagens por trás do véu de Maya, a Ilusão das dez mil coisas. Perceber o Todo no plano macro e no micro e suas implicações filosóficas. O Equilíbrio da vida sobre o planeta há milhares de anos em condições vantajosas.

É evidente haver uma relação direta no plano da nossa existência com fenômenos físicos que ainda não sabemos explicar. Os ciclos lunares e a proliferação da Vida no planeta Terra por exemplo. A filogenia  da matéria bruta, para a matéria viva e de organismos monocelulares para organismos pluricelulares complexos até aos seres sencientes e sua relação com o ambiente planetário, a nossa biosfera. E como nossa presença pode afetar de forma inequívoca e apressar nossa própria extinção,

Dentro desta escala evolucionária ainda em andamento o homem atingiu o topo da piramide alimentar como predador fenomenal que utiliza todos os recursos de bioenergia que o planeta dispõe e agora também a conversão de energia cinética e solar para fazer funcionar suas extensões, suas próteses tecnológicas produzidas em escala infinita, como antes ele nunca havia conseguido controlar.

A Mente 

Mas a questão tautológica cognoscitiva que se impõe neste ser que se acredita onipotente e que ainda permanece velada no cotidiano do homem comum no seu universo de conhecimentos, de experiências, de percepções do ser humano, que ele  não é passível de explicação a partir de uma perspectiva independente desse mesmo universo. Só podemos conhecer o conhecimento humano (experiências, percepções) a partir dele, conforme lembraram tão bem Varela e Maturana em sua obra: "A Árvore do Conhecimento": Este problema de circularidade, quer dizer de tautologia cognoscitiva compromete nosso entendimento da grande rede que permeia no plano sutil, toda a cadeia da nossa existência no planeta. Como a mente humana pode descrever (com validade universal) seu próprio operar? Como pode a consciência descrever a atividade subjacente à consciência, da qual surge a capacidade do observador de fornecer descrições efetivas sobre si mesmo, se não é possível tocar o mundo subjacente à consciência, a não ser com a mesma consciência, com o que tal mundo deixa imediatamente de subjazer a ela? Se a isto acrescermos a problemática da linguagem, formularemos a questão da seguinte maneira: Como pode a consciência dar conta de si mesma, em termos tais que essa explicação descritiva tenha validade universal, se os significados utilizados na linguagem são sempre gerados numa cultura particular? Como podem então as afirmações sobre o operar, do qual surge a consciência, ter valor universal, ou seja, valor transcultural, se já vimos que estamos impossibilitados de fazer uso do conceito de conhecer como conhecer "objetivo", independentemente do observador, se queremos dar conta de nossos próprios processos de percepção e conhecimento como seres observadores? Como pode a águia da inteligência caçar a si mesma em seu reflexo? (A Árvore do Conhecimento - Ed. Psy - pág 18-19 - 1995)

Ver também:
https://odisseiaantropofagica.blogspot.com/2011/09/racionalismo-o-devoramento-do.html





A Vida

Há 3,5 bilhões de anos se estima o surgimento da vida no planeta. Somente quando na história da Terra, se deram as condições para a formação de moléculas orgânicas como as proteínas, cuja flexibilidade e maleabilidade é praticamente ilimitada surgiram também as condições para a formação de unidades autopoiéticas (do grego auto "próprio", poiesis "criação") , isto é, com capacidade de produzirem a si próprias. Segundo esta teoria, um ser vivo é um sistema autopoiético, caracterizado como uma rede fechada de produções moleculares (processos), onde as moléculas produzidas geram com suas interações a mesma rede de moléculas que as produziu. A conservação da autopoiese e da adaptação de um ser vivo ao seu meio são condições sistêmicas para a vida. Por tanto um sistema vivo, como sistema autônomo está constantemente se autoproduzindo, autorregulando, e sempre mantendo interações com o meio, onde este apenas desencadeia no ser vivo mudanças determinadas em sua própria estrutura, e não por um agente externo. O aparecimento de unidades autopoiéticas sobre a face da Terra é um marco na história do nosso sistema solar. Isso não quer dizer que tenha ocorrido num só instante ou num só lugar, nem que possamos especificar uma data exata da sua origem.     

Todas as espécies de seres vivos interagem em diferentes níveis de intensidade e interdependência com diversas outras espécies no planeta. As interações podem ser entre espécies espacialmente próximas ou mesmo distantes, por influências diretas ou indiretas. No plano micro ou no plano macro. Algumas das associações são de reduzida interação e interdependência, outras relevantes.

Os processos associados ao estabelecimento de um relacionamento intimo entre duas espécies podem ser divididos em duas fases ou etapas. Uma inicial, representada pelos eventos relacionados ao contato imediato entre os potenciais parceiros, e outra fase de co-acomodação, na qual as espécies de uma associação que sobreviveu à primeira fase passam pelo processo de co-adaptação. Os parceiros devem poder sobreviver ao início da associação, isto é, ao início da influência reciproca nos primeiros momentos de contato. Pré-adaptações são características morfológicas, comportamentais e fisiológicas, entre outras, produtos do processo acumulativo de uma linhagem e influenciam quais portas do quarto evolutivo estarão abertas para a espécie e portanto fundamentais no estabelecimento de associações.

Ver também:
https://odisseiaantropofagica.blogspot.com/2016/04/gado-homens-e-ratos.html

Pré-adaptações também são necessárias no parasitismo, mas também nas relações presa-predador. O predador deve dispor de recursos adequados para capturar e processar uma nova espécie de presa. Em contrapartida, se pelo menos alguns alguns indivíduos da população presa dessa nova associação não apresentar características evasivas ou de proteção ao novo predador, ela pode entrar rapidamente em extinção. 

Como sugerido as associações de parasitismo, comensalismo e mutualismo exigem mais dos parceiros para se estabelecer, em especial aqueles que envolvem contato físico intimo entre as espécies (uma espécie sobre ou dentro da outra). A pré-adaptação é especialmente importante nessas situações pois desenvolve novas oportunidades também de caráter simbiótico.

Neste preambulo onde nenhuma espécie pode isolar-se de seu meio vive a humanidade. Em contato direto com o todo e profundamente dependente deste bioma planetário, A nossa biosfera mesmo com grande parte da população mundial habitando em grandes centros urbanos, ainda depende para sua sobrevivência da manutenção do meio tanto no plano macro como no micro a ponto de caso nossas bactérias e vírus internos venham a morrer ou ficar em suspensão o corpo físico, o arcabouço do individuo sucumbirá pois necessita da associação microbiótica para sobreviver.

Os virus HIV, Sars e Ébola, entre outros, são exemplos de novas enfermidades causadas por agentes patogênicos não historicamente associados à raça humana. Essas novas associações apresentam elevada patogenicidade, provocando altos índices de mortandade, em especial porque representam novas associações em processo inicial de estabelecimento.   

A humanidade em seu caminho evolutivo segue transformando o planeta de forma fenomenal. No zoológico do Bronx, em Nova Iorque há um grande pavilhão dedicado aos primatas superiores. Lá podem ser vistos de perto Chimpanzés, Gorilas, Gibões e muitos outros monos do Velho e Novo Mundos. Nos fundos do pavilhão há uma cela fortemente gradeada onde se lê: "O Primata mais perigoso do planeta". Ao olhar por entre as grades vemos, com surpresa, nosso próprio rosto. Esclarece o letreiro que o homem já destruiu mais espécies sobre o planeta do que todas as outras espécies conhecidas. Vermos nosso reflexo no espelho é aquele momento peculiar quando tomamos consciência daquele nosso aspecto que não podemos conhecer de nenhuma outra maneira. 

É o momento que podemos antever nossa própria estrutura, o ponto cego, quando despertamos da hipnose cotidiana e nos voltamos para nós mesmos, a única oportunidade de descobrir nossas cegueiras e de reconhecer que as certezas e conhecimentos dos outros são, respectivamente, tão nebulosos e tênues quanto as nossas sobre a existência humana no planeta.

A situação especial de conhecer como se conhece é tradicionalmente elusiva em nossa cultura ocidental, centrada na ação, e não na reflexão. Assim, geralmente nossa vida pessoal é cega a si mesma. É como se existisse um tabu que nos dissesse: "É proibido conhecer o conhecer." Esta ignorância entre todas as vergonhas do mundo com certeza é a mais vergonhosa. 

Talvez seja esta a grande lição da pandemia. Colocar o ser humano, como individuo em sua própria dimensão de parte inseparável do planeta. Determinar suas responsabilidades na manutenção do Todo planetário como tripulante de um sistema único de biodiversidade que só sobrevive enquanto todo. Cada mudança realizada pelo impacto ambiental do homem sobre o planeta cobrará da humanidade suas vitimas. Não podemos modificar o planeta sem sofrer consequências diretas que afetarão a nós e aos nossos descendentes de forma permanente. 

Recentemente pesquisadores chineses e norte americanos descobriram 28 grupos de vírus desconhecidos, que estavam congelados há 15 mil anos. A pesquisa recolheu amostras do gelo glacial profundo, um dos mais antigos da Terra, localizada em Guliia, no noroeste do Tibet, na China. Para realizar a coleta do material perfuraram 50 metros no gelo e utilizaram técnicas de microbiologia para identificar estes organismos nas amostras. As análises foram feitas a -5 graus C. Após o contato com o material os cientistas são submetidos a um protocolo de descontaminação.
https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2020/01/24/28-virus-desconhecidos-sao-encontrados-por-cientistas-em-geleiras-no-tibete.ghtml?fbclid=IwAR32g0dJzC7ZmlZy-gqYtcj1BTJepF-9t1m8CbLBkOKzImz-HrMVuPMbaeU

Segundo os cientistas, com a crise climática, o aquecimento global que derrete glaciares antes permanentes em todo o planeta, há possibilidade de novos agentes patogênicos serem liberados na biosfera, o que poderia trazer riscos para a humanidade de outras pandemias desconhecidas. Seres monocelulares e vírus conseguem manter-se em suspensão por tempo indeterminado mesmo em condições adversas do espaço profundo. Vírus ativos cujo o contágio é transmitido pelo ar como o novo coronavírus adquirem especial virulência em ambientes urbanos superpovoados.

Em 1974, dois pesquisadores, James Lovelock e Lynn Margulis, propuseram uma hipótese que eleva a importancia de relacionamentos entre espécies em termos planetários. Ao estudar as atmosferas de diversos planetas do sistema solar utilizando técnicas que permitem a determinação de sua composição a distancia, estes pesquisadores descobriram diferenças significativas destas em relação à atmosfera terrestre. Em nosso planeta, gases altamente reativos existem em concentrações muito superiores do que nas demais atmosferas analisadas. Oxigênio, metano e dióxido de carbono, por exemplo, não estão presentes em grandes concentrações nos planetas onde a vida inexiste. Lovelock e Margulis buscaram explicar estas diferenças e produziram a hipótese Gaia. Tal hipótese propõe que a evolução e a manutenção da vida na Terra são determinadas pela interação entre os organismos que aqui habitam e o meio ambiente.

A Terra não é apenas um pedaço de rocha onde a vida foi capaz de se multiplicar. As condições de atmosfera, solo e composição dos ambientes aquáticos não são determinadas pela proporção não viva do planeta, mas pelas atividades dos organismos em sua superfície. As condições refletem toda a história de interações entre ambiente e os organismos que aqui vivem e dos organismos entre si. Foi a atividade biológica de síntese de moléculas orgânicas através de energia luminosa que levou o planeta a ter esta alta concentração de oxigênio atmosférico e aquático que favoreceu a existência de organismos aeróbicos que se espalharam pelo planeta. Um Elefante na África pode estar utilizando o oxigênio produzido por algas nos mares do Ártico. O dióxido de carbono eliminado através da respiração de uma planária no Brasil pode vir a ser incorporado em uma molécula de glicose por uma planta na China.

O planeta está vivo, sob diversos aspectos. A evolução integrada que ocorreu e permitiu estabelecer as condições desta biosfera única no sistema solar e provavelmente em boa parte do Universo ocorre aqui. Lovelock e Margulis insistem que a Terra (Gaia) se auto-regula em processos análogos à fisiologia dos organismos vivos, algo que eles denominaram de geofisiologia.
   
Mas independente da interconexão causal destes eventos temos que perceber como todo o nosso Universo está interligado em uma rede complexa, principalmente o bioma planetário e que pela sua exploração local desmedida pode transformar-se de forma irreversível e alterar nosso cotidiano sobre o planeta para sempre ou até mesmo nos extinguir enquanto espécie. Como advertem os estudos nem sempre uma pré-adaptação genética consegue ser bem sucedida em um acoplamento estrutural entre duas espécies no planeta. 

Conhecer é ação efetiva, operacional no domínio de existência do ser vivo. Todo o ato de conhecer produz um mundo. Todo fazer é conhecer e todo o conhecer é fazer. O mundo que nos cerca é o único abrigo que existe próximo de nós, por anos luz. Toda nossa reflexão se traduz em algum tipo de linguagem, que é nossa forma particular de sermos e parecermos humanos. É muito importante percebermos a circularidade do pensamento entre ação e experiência que também se aplica ao que estamos fazendo no aqui e agora e tem consequências fundamentais para o nosso futuro como espécie. Tudo o que é dito, é dito por alguém. Toda reflexão produz um mundo. Sendo assim, é uma ação humana realizada por alguém em particular, em algum lugar em particular que modifica o meio. Mudar é preciso.

Nota do Autor: o fato histórico mais relevante neste século no caso da pandemia foi demonstrar a fragilidade dos grandes centros urbanos do mundo onde populações vivem aglomeradas e que ao sinal de qualquer crise humanitária aos poucos viram grandes matadouros.   

Bibliografia:

1) A Árvore do Conhecimento - Humberto Maturana / Francisco Varela - Editorial Psy - 1995      
2) O Tapete de Penélope - Walter A. Boeger - Unesp -2009        


o