"Há recessos desconhecidos na nossa mente que estão além do limiar da consciência relativamente construída. Não é correto designar esses recessos por subconsciência ou superconsciência. A palavra além é simplesmente usada porque é o termo mais conveniente para indicar o lugar. Mas o certo é que não há na nossa consciência nem além, nem debaixo nem em cima. A mente é um todo indivisível e não pode ser desagregada em pedaços" (D. T. Suzuki - Introdução ao Zen)

"Entrar na floresta sem mover a grama; entrar na água sem provocar nenhuma ondulação" (Zenrin Kushu)

segunda-feira, 7 de julho de 2014

O Tantra




O Tantra sempre esteve associado às práticas de magia, ao xamanismo e às antigas crenças de fertilidade dos povos Orientais. Os especialistas do Ocidente sempre tentaram associar as crenças tântricas com superstições incompreensíveis. Sua repulsão, em parte intelectual foi devido a acreditarem ter superado as crenças mágicas dos seus antepassados. E para complicar ainda mais seu estudo, o Tantra tem a faculdade de provocar a indignação moral de alguns e abalar as raízes da cultura judaico-cristã e budista tradicional. Os racionalistas pretendiam que nas doutrinas budistas, por exemplo, as práticas tântricas fossem consideradas uma degeneração da filosofia original. Em realidade os poderes psíquicos extraordinários e os milagres nunca foram postos em dúvida entre os budistas. Para aqueles que tinham capacidade necessária, o cultivo de tais poderes formava parte do programa de iluminação, enquanto para outros era uma benção discutível. A existência de muitas classes de espíritos incorpóreos e a realidade das forças mágicas, ambos eram considerados indiscutíveis e as crenças neles fazia parte de uma cosmologia comum.

É difícil estabelecer quando se iniciaram as práticas tântricas. Como se tratam de doutrinas herméticas, de mistérios, seus seguidores tem preferido manter seus segredos. As ideias ocultistas e esotéricas devem ter circulado em pequenos grupos de iniciados antes de alcançar a luz do dia. Como um sistema de crenças mais ou menos público, o Tantra adquiriu força depois do ano 500 ou 600 da nossa era. Entretanto suas raízes encontram-se nos primórdios da história humana, quando as sociedades agrícolas estavam mergulhadas nas práticas mágicas, nos sortilégios de feiticeiras e xamãs, nos rituais de sacrifícios humanos e nos cultos de fertilidade da deusa mãe e outras divindades ctônicas. O Tantra não é uma criação nova, senão o resultado da absorção de crenças primitivas nas tradições literárias hinduístas e depois sua mescla com a filosofia budista.

Como os hinduístas, os budistas distinguem um Tantra “da mão direita” e outro “da mão esquerda” No hinduísmo os “observadores da mão direita” (dakshinacarins) dão mais importância ao principio masculino no Universo enquanto os “observadores da mão esquerda” (vamacarins - das palavras vama, “reverso, oposto, esquerdo; mau, vil”, mas também “belo, agradável”, e cari , “aquele que vai, prossegue ou anda por um caminho” ) ao principio feminino. O termo “shaktismo” está associado ao Tantra da mão esquerda. O “shaktismo” hindu está ligado ao shivaismo. As doutrinas Shaiva tiveram grande influência no “shaktismo” budista. Shakti é a consorte divina, energia criadora, potência feminina. No shivaismo a adoração de Shakti está relacionada com a esposa de ShivaParvati ou Uma – denominada também de “A Grande Deusa”, e “A Grande Mãe”. Uma particularidade do shaktismo é que as divindades possuem uma manifestação benigna e uma manifestação terrível conforme o culto. A manifestação terrível de Parvati é Durga, A inacessível, ou Kali, a Negra.  As manifestações terríveis estão associadas à morte, à destruição, e à necromancia, aos sacrifícios animais e humanos. Ao mesmo tempo no shivaismo são inumeráveis as manifestações femininas relacionadas à Maha-Kali (Tempo Poderoso), Nytia-Kali (Tempo Infinito), Shmashana-Kali (Kali do Solo Abrasador), Raksha-Kali (Guardiã), Shyama-Kali (A Negra).

Os textos sagrados dos vamacarins pertencem ao Tantra (“tear. Teia; veste; disciplina; manual; caminho certo”); eles remontam ao período Gupta e posteriores e são na essência suplementos técnicos das várias escrituras purânicas de Vishnu, Siva e da Deusa, sendo alguns do “Caminho da Mão Direita” (dakshina) e outros da Mão Esquerda.
No Tantra são cultuadas Maha-Kali e Nytia-Kali. Quando não havia nem a Criação , recitam os místicos hinduístas, nem existiam ainda o Sol, nem a Lua, nem os planetas e nem a Terra, e quando as trevas estavam envolvidas nas trevas, então a Mãe, a Sem Forma, a Maha-Kali, o Grande Poder, era una com Maha-Kala, o Absoluto.
Shyama-Kali tem um aspecto um tanto meigo  e é uma divindade protetora do lar. Ela dispensa bênçãos e dispersa o medo. Nos tempos de epidemia, fome, terremoto, secas e inundações, Raksha-Kali é a deusa venerada pelas pessoas. Shmashana-Kali é a manifestação do poder de destruição. Ela habita nos crematórios, cercada de cadáveres, chacais e terríveis espíritos femininos. Da sua boca jorra uma torrente de sangue, do seu pescoço pende uma grinalda de cabeças humanas e em volta da sua cintura há um cinto feito de mãos humanas.

A manifestação feminina do Brahman, a Divina Mãe, depois da destruição periódica do Universo possui um papel primordial, ao final do grande ciclo do dia de Brahma, recolhe as sementes para a próxima Criação. Ela é como uma anciã que tem um baú no qual guarda seus artefatos domésticos. Esse poder primevo após a nova Criação habita o próprio Universo. Ela emana este mundo dos fenômenos e então impregna-o com sua energia fecundante. Prisão e liberação são seus atributos divinos. Através de sua Maya os habitantes do mundo se envolvem em “mulheres e ouro” e novamente, por sua graça, eles conseguem a liberação. Ela é chamada a Redentora e a Removedora do cativeiro que prende a pessoa ao mundo. Ela é obstinada e sempre tem que ter tudo à sua maneira, dizem seus fiéis.
O Mistério Cósmico de Maya tem três poderes. O primeiro é de obscurecer e ocultar Brahman, o Absoluto; o segundo, o de projetar a miragem do mundo e o terceiro é o de revelar Brahman através dessa miragem, que conhecemos como a ilusão do mundo dos fenômenos. Satyavati, uma das manifestações femininas descritas pelos livros sagrados, em seu barco transportava iogues para a outra margem e nessa função representava o poder revelador de Maya; mas ela também transportava passageiros da margem de lá para a de cá e com isso obscurecia e projetava. A serviço do desejo do bondoso rei Santanu, seduzido pelo seu perfume e ludibriado por sua falsa virgindade, ficou com ela na margem de cá, e ela se tornou a força ativadora de toda esfera e de toda a interação de luz e sombra no universo védico. Em uma das margens está o campo de toda alegria e dor, virtude e vício, conhecimento e ilusão, mas a outra margem do rio está além desses princípios complementares até um absoluto que ultrapassa a concepção dos princípios. No meio do caminho está a ilha, o mundo, a fonte do mito, que, em si mesmo, é tanto verdadeiro quanto falso, tanto revelador quanto obscurecedor, e deve ser interpretado como a própria vida, de acordo com o talento de cada um, de um ou de outro jeito, como verdade literal, ou como alegoria de uma transição mais profunda.
O Tantra apropriou-se do enorme panteão da mitologia popular, com sua imensa quantidade de manifestações. Entretanto seus seguidores estavam de acordo com as suposições metafísicas da sabedoria védica (prajnaparamita), em que a realidade ultima da vacuidade (sunnyata) é a única realidade, enquanto que qualquer classe de multiplicidade do mundo dos fenômenos seria em última análise irreal e produto de nossa mente ignorante e enferma. A multiplicidade de deuses seria então nada mais que uma ficção, produto da imaginação, e nenhuma dessas divindades teria existência autônoma sem a mente criadora do homem. A mente moderna, que se considera laica, no Ocidente, poderia concordar com esse postulado se não fosse o aspecto de que acreditamos que as coisas materiais ao nosso redor são reais e as divindades são uma criação falha do intelecto humano devido ao resultado das decepções de nossa vida intuitiva e instintiva perante aos acontecimentos da vida cotidiana. Ao contrário, segundo o Tantra, tanto as coisas materiais, como as divindades são irreais perante a grande vacuidade (sunnyata), mas em seu conjunto, a mitologia representa uma espécie de referência que vale muito mais que os dados da nossa experiência cotidiana, e quando manejados adequadamente, nos ajudam de forma eficiente a alcançar nossa libertação das ataduras da existência.
Para o iniciado, como exige qualquer religião milenar de Mistérios, o ritual de iniciação sempre é fundamental, como foi nas antigas sociedades tribais. Sendo assim, o tantrismo adquire as formas ancestrais de pensar e atuar, que são veladas aos não crentes, e possuem suas raízes fincadas nos recônditos do nascimento da humanidade. A palavra sânscrita para a cerimonia de iniciação é Abhishekha, que significa literalmente borrifar. O iniciado é borrifado com água batismal em um processo semelhante ao batismo cristão. O ritual se assemelha ao da coroação de um rei hindu, sendo a participação da água do Conhecimento como para coroar um novo monarca iniciado nos mistérios búdicos ou tântricos. Três métodos foram consagrados pelos devotos:
I)                    A Recitação de encantamentos
II)                  A Realização de danças e rituais
III)         A Identificação com as divindades através de uma classe especial de meditação
O Tantra elaborou um sistema de meditação sobre as divindades, que possui uma sequencia de quatro passos:
Em primeiro lugar está a compreensão da vacuidade (sunnyata) e o fundir da individualidade dentro dessa vacuidade.
Em segundo lugar o iniciante deve repetir e visualizar sílabas sagradas e mantras.
Em terceiro lugar o iniciante deve conceber a forma de uma divindade, sua representação externa, como aparece nas imagens e pinturas.
Em quarto lugar o iniciado, pela identificação deve incorporar e se converter na divindade.
Nas tradições tântricas, como no cabalismo hebraico e no seu alfabeto sagrado, o sânscrito é considerado a primeira língua universal e também sua escrita é sagrada, a pronúncia do nome de qualquer deus fará com que ele se manifeste e seu poder opere, já que o nome é a forma audível do próprio deus. A palavra suprema, da qual todo o Universo visível e invisível emana a sua manifestação absoluta, é na tradição hindu a sílaba AUM. Ela conecta o iniciante com as energias audíveis do Universo.     
Os rituais tântricos como nos foram revelados pelos historiadores envolvem a união dos princípios masculino e feminino para através do orgasmo atingir a plenitude da potência divina como microcosmo do processo de criação e fecundação universal. O hierogasmo, a união carnal dos personagens consagrados à Deusa é descrita, como instruções de culto, nos textos sagrados:
“Sou Bhairava, o Eu onisciente, dotado de atributos.”
Tendo sido assim meditado, que o devoto prossiga até a adoração à Kula.
Vinho, carne, peixe, mulher e união sexual:
Estas são as cinco bênçãos que afastam todos os pecados.
Nesses ritos o objeto sagrado é uma jovem nua dançando, devota. Prostituta, lavadeira, esposa de barbeiro, mulher brâmane ou sudra, florista ou leiteira, e a hora tem que ser meia-noite. O grupo deve ser formado por um círculo de oito, nove ou onze casais nos papéis de Bhairava e Bhairavi. São pronunciados mantras específicos, de acordo com a classe da pessoa a ser escolhida como Sakti, que então é adorada de acordo com a regra. Ela é colocada despida, mas ricamente ornamentada dentro ou ao lado de um círculo de pares de homens e mulheres devotos, e purificados através de vários mantras. A suprema sílaba sagrada da ocasião lhe é sussurrada três vezes ao ouvido; ela é aspergida com vinho, recebe carne, peixe e vinho que abençoa com seu toque e a seguir são distribuídos entre os crentes ao som dos cânticos sagrados, ela torna-se assim o instrumento de uma sequencia de atos sacramentais preliminares que culminam numa consagração geral entre mantras e formas de meditação. Exercícios eróticos podem acompanhar e encerrar os rituais já que a energia libidinal, a união do masculino e do feminino criam o uno, a perfeição da harmonia dos opostos, que proporciona o samadhi para os amantes iniciados.


As cinco bençãos acima mencionadas são conhecidas como os Cinco Emes: vinho (madya), carne (mamsa), peixe (matsya), mulher (mudra) e união sexual (maithuna). Nos chamados "ritos substitutivos" ou simulacros indicados àqueles que devem adorar a deusa numa atitude antes de criança do que de amante, madya torna-se leite de coco; mamsa, grãos de trigo, gengibre, sal ou alho; matsya, rabanete vermelho, gergelim vermelho, masur (um tipo de grão), a verdura brijal branca e paniphala (uma planta aquática); mudra, trigo, arroz com ou sem casca, e maithuna, um ritual de submissão infantil aos Pés de Lótus da Mãe Divina  

Outros rituais de adoração da Deusa envolvem o sacrifício de vitimas humanas e até mesmo a degustação de sua carne. Outros ainda, para a obtenção de capacidades mágicas, exigem que o iogue medite à meia-noite num cemitério, num chão ardente ou num local onde são executados os criminosos, sentado sobre um cadáver; se ele conseguir realizar isso sem medo, os fantasmas e as manifestações de duendes femininos serão seus escravos. Certos crentes “furam sua carne com ganchos e espetos, atravessam suas línguas e bochechas com instrumentos pontudos, deitam-se em camas de prego ou cortam-se com facas”. Os chamados Portadores de Crâneos cobrem-se com as cinzas de uma pira funerária, penduram uma corrente de crânios humanos ao pescoço, trançam os cabelos e usam uma pele de tigre sobre os quadris, levando na mão esquerda um crânio como tigela e na direita um sino que deve ser tocado incessantemente enquanto gritam: “Oh, Senhor e Esposo de Kali!”
Em geral, as seitas do Caminho da Mão Esquerda repudiam a divisão de castas durante o momento sagrado do rito. “Enquanto o tantra de Bhairava está presente na sessão, todas as castas são brâmanes”, lemos em um texto da seita. “Terminada a sessão, elas voltam a ser distintas.” O Tantra é uma forma de ioga, uma passagem para além dos limites da esfera do Dharma e em suas variantes rituais até mesmo as relações de família e os tabus de incesto podem ser desconsiderados nas sessões orgásticas. Pois se declara “que todos os homens e todas as mulheres são de uma casta única e que sua relação sexual está isenta de transgressão”. “Afasta a ideia de dois e sê de um corpo”, lemos num hino que celebra a realização desse caminho, “muito difícil é esta disciplina do amor”.
Os cultos tântricos de Shakti colocam a mulher no centro do sistema simbólico. Suas principais características são a adoração das Shaktis, as manifestações femininas com as quais os deuses masculinos, os seus pares opostos, estão unidos no abraço da união amorosa da unidade. Promovem a adoração de grande quantidade de divindades aterradoras e do seu deus Bhairava (o Terrível), a personificação da ira de Shiva, associada com a completa aniquilação do mal e sua liturgia compreende um ritual complexo conectado ao mundo dos mortos. A meditação e os exercícios respiratórios são fundamentais na sua consecução como uma prática de yoga a ser realizada pelo par de opostos onde o gozo é contido ao máximo para a realização final do atingimento do Samadhi através da libertação libidinal.  A tradição do Tantra estabelece a presença no interior de cada ser de todos os deuses e demônios dos céus e infernos oriundos de todos os patamares da mente.
O antigo budismo, em seus primórdios, conforme estabelece a tradição ariana, foi um sistema severamente masculino e somente admitia algumas divindades femininas bastante subordinadas em seu panteão. Os deuses superiores são assexuados, e também o são os habitantes dos campos búdicos. A feminilidade era em geral um obstáculo para o atingimento de níveis espirituais superiores e ao acercar-se do estado búdico o Bodhisatva deixava de renascer na forma feminina. Acreditavam que não era possível que uma mulher se convertesse em Buda.
Prajnaparamita e Tara foram as primeiras divindades budistas autônomas. O culto de Tara parece ter sido incorporado ao budismo por volta de 150 d. C. Tara, do sânscrito “Taraiati” é a divindade salvadora que nos ajuda a cruzar a outra margem do rio, que elimina o medo e o temor e que outorga o cumprimento de nossos desejos. Tara é criação da imaginação popular, como não poderia deixar de ser, já que o imaginário do inconsciente coletivo exige a figura do culto ao feminino e da psicopompa. A Prajnaparamita por outro lado originou-se como conceito em pequenos grupos de ascetas metafísicos. Na corrente Mahayana, não era só um atributo ou virtude, um livro ou um mantra, senão também representava uma divindade. A personificação da sabedoria transcendental parece ter começado por volta do começo de nossa era. Nos sutras de Prajnaparamita é descrita como “a Mãe de todos os Budas”. Qual é o significado dessa expressão? Da mesma maneira que uma criança nasce da mãe, assim a iluminação completa de um Buda vem da Perfeição da Sabedoria. Ela é a manifestação que lhes ensina a andar pelo mundo. Desta forma um principio feminino foi colocado ao lado do Buda, e até certo ponto acima dele. É interessante notar que os textos de Prajnaparamita tiveram origem no Sul da Índia, de onde o meio drávida, mais antigo, havia mantido vivas várias ideias matriarcais, que o bramanismo, mais exclusivamente masculino, havia suprimido no Norte da Índia. Quase em todas as culturas podemos encontrar no pensamento antigo o conceito que representa o principio feminino como a sabedoria que combinava a maternidade e a virgindade. No mundo mediterrâneo é a Sofia que vem representar de forma similar esse conceito, que está diretamente relacionada com os antigos cultos à Ishtar, Ísis, Palas Atena, Minerva e Astartéia. Essa concepção feminina representa uma fusão da ideia de Sabedoria com a da Magna Mater, e é adorada sempre ao lado do ser supremo masculino. Como Ishtar e a Virgem Maria , a Prajnaparamita era em essência tanto mãe como virgem.  Isso quer dizer que é fértil, frutífera em seus bons atos e suas imagens realçam a plenitude de seus seios, como provedora. Por outro lado, igual a uma virgem, permanece intocada, intacta, inapreensível.
É impossível não mencionar os Mistérios de Elêusis, consagrados em seu templo na Grécia ao culto de Démeter e Perséfone. A primeira uma deusa agrária responsável pela fecundação da terra e cujo nome sugere a maternidade e a segunda, sua filha raptada e aprisionada no submundo do Hades como deusa infernal. Sendo que ambas as personificações são uma só conjugação manifestada dos atributos da Deusa. Nas cerimonias Dioniso era parte integrante desses mistérios. Nunca saberemos quais eram os rituais iniciáticos de revelação que ocorriam dentro do templo, mas pelos relatos dos antigos sabemos que estavam diretamente relacionados com a morte e o mistério da transmigração da alma. Seus adoradores adquiriam o conhecimento que se revelado para estranhos levaria à morte do iniciado.  
Observando todos esses aspectos do tantrismo, desde suas cerimonias orgiásticas e rituais de iniciação, até a compreensão do principio feminino como conceito primordial da sabedoria chegamos ao ponto mais importante dos segredos ocultos do passado distante, de todas as religiões de mistérios elaboradas pela humanidade ao culto da deusa. O que os antigos estudiosos buscavam ocultar é o potencial gerador do feminino e a ligação indispensável do pensamento sobre a Criação com o poder da mulher em suas liturgias. Esse é o grande segredo do ocultismo. A conceituação da virgem que concebe, que nos parece contraditória, à luz da ciência hoje tornou-se a mais absoluta realidade dentro das novas técnicas de inseminação. A genética nos ensina que os fatores que levam ao desenvolvimento do macho no útero, o cromossoma Y é uma ínfima mutação da fêmea, e que o desenvolvimento genital masculino é apenas um avantajamento dos órgãos reprodutores femininos em sua fisiologia. Por analogia, como os sábios do passado puderam observar, a força primordial do Universo está associada às potências femininas primordiais e que são base da vida no planeta e talvez a base da verdadeira semente que originou todo o mundo fenomênico em suas atividades primordiais no primeiro segundo do Big Bang. É disso do que se trata o Tantra, o culto ao fator gerador das 10 mil coisas, a união dos opostos onde é o masculino o complementar, mas é o feminino o indispensável para a preservação da vida cósmica. Com a destruição dos bosques sagrados na Europa e o incêndio proposital do templo de Elêusis pelos fanáticos cristãos, adoradores de seu deus masculino, e que abominavam a sexualidade como coisa pecaminosa todos esses conhecimentos arcanos foram velados, até que o avanço da ciência pudesse demonstrar uma verdade indiscutível. Apesar do culto oficial a uma trindade amorfa pela Igreja o povo consagrou o culto à mãe do Cristo, da mesma forma que os antigos pagãos adoravam Ísis e suas respectivas manifestações, ecos do mais remoto conhecimento da humanidade e de seu inconsciente coletivo, a verdadeira herança da sabedoria milenar.             
No Livro dos Mortos tibetano a alma é aconselhada pelo lama assistente a reconhecer como projeções de sua própria consciência todas as formas vistas, tanto as celestiais quanto as infernais, e quando as cenas do inferno estão prestes a surgir, o lama diz: 

“Não tenhas medo, não tenhas medo, ó tu, de nobre nascimento! As fúrias do Senhor da Morte colocarão uma corda em volta de teu pescoço e o puxarão; cortarão tua cabeça, extrairão teu coração, arrancarão teus intestinos, sugarão teus miolos, beberão teu sangue, comerão tua carne e roerão teus ossos; mas em verdade teu corpo é da natureza do vazio; tu não precisas ter medo”.
“Não fiques aterrorizado; não fiques assustado. Se todos os fenômenos existentes – que brilham e se irradiam como formas divinas - forem reconhecidos como emanações da própria mente, o Estado de Buda (Samadhi) será alcançado nesse mesmo instante. [...]Aquele que reconhecer suas próprias formas-pensamento através de um ato importante e através de uma palavra, atingirá o Estado de Buda.”



Akasha-Bhairava
Bibliografia:

1) El Budismo - Edward Conze - Fundo de Cultura Económica - México - 1997

2) As Máscaras de Deus, Mitologia Oriental - Joseph Campbell - Ed. Palas Athena - 5º ed. - 2004

3) As Máscaras de Deus, Mitologia Primitiva  - Joseph Campbel - Ed. Palas Athena - 1992

4) História das Crenças e das Ideias Religiosas - I - Da Idade da Pedra aos Mistérios de Elêusis - Mircea Eliade - Ed. Zahar -2010

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